quinta-feira, 6 de novembro de 2008

DICA DE LEITURA

Em sua obra, "BRASIL E ESTADOS UNIDOS: O QUE FEZ A DIFERENÇA", da editora Civilização Brasileira, Ricardo Lessa analisa as correntes sociais, econômicas, políticas e estratégicas que geraram o perfil de cada país, determinando um caminho de diferenças, mas também de encontros. O autor apresenta as semelhanças entres essas duas nações, que segundo ele, estão ligadas a extensão territorial e a disponibilidade de matérias-primas. Comenta como os Estados Unidos se firmaram no século XX como a nação mais poderosa do sistema internacional, enquanto o Brasil mantém-se como um país emergente. Lessa explica as amplas vantagens levadas pelos norte-americanos em termos econômicos, militares e tecnológicos. Aborda a realidade que definiu o destino dessas duas nações; trabalha todas essas questões de forma dinâmica e esclarecedora, revelando ambições e conflitos econômico-sociais opostos e valores antagônicos. Sua obra ainda lança uma luz otimista sobre o futuro do Brasil - para Lessa, é possível estruturar um país mais promissor para o povo brasileiro, uma nação que acompanhe as transformações mundiais, inserida na economia global - o segredo é olhar para nossas próprias raízes, representadas nos valores éticos e morais.

FRANCAMENTE, ÉTICA, O QUE VEM A SER ISSO?

Pedro Bial

Me ocorre a piada do português, o livro de lógica é o "tens aquário?". Tanto verbo jogado fora em nome da tal "ética"... Afinal de contas, como os sistemas de valores, códigos morais e a moda, a ética é perecível, descartável. De dez em dez anos, de cem em cem anos, de mil em mil quilômetros, encontramos conceitos diametralmente opostos do que é "ético", moralmente aceitável, certo ou errado. Numa esfera macropolítica, vem à lembrança o caso do desprezo chinês ao conceito de Direitos Humanos. Para a ancestral crueldade chinesa, "Direitos Humanos" são uma invenção, uma imposição do Ocidente. Os ocidentais podem replicar: "É para o seu bem...".

Mas, quanto mal já foi perpetrado sob a máscara desta frase que pais usam para domar filhos.

Numa esfera mais próxima, e fugindo um pouco do assunto, aproveito para contar uma historinha da notória favela de Vigário Geral, onde vivi durante uns poucos dias para fazer uma reportagem. Era noite de sexta-feira, ou sexta-cheira, como dizem os cocainômanos. A favela fervilhava de gente se drogando, gente armada, barra muito pesada.

Passa um grupo de adolescentes em diminutas minissaias, a caminho do baile funk, a concentração maior de "ligadões" armados até os maxilares. Pergunto se os pais das moças não se preocupam com a segurança delas em tal ambiente. "Não, de jeito nenhum", respondem surpresas. "A única coisa que nossos pais proíbem é que atravessemos a passarela. Fora da favela, sim, é muito perigoso. Aqui dentro, estamos seguras." E, de fato, onde os estrangeiros, isto é, o resto da população do Rio de Janeiro, não se atrevem a pisar, é território sagrado dos moradores, com a garantia onipotente do chefe do tráfico.

Já que falei mais uma vez de Vigário Geral, mais uma constatação que contraria os clichês sobre a relação das zonas nobres e pobres da cidade. Ao contrário do que se diz, o grande consumidor da cocaína barata de favelas como Vigário Geral não é o garotão classe média do Leblon. Quem consome a droga de Vigário é o operário na saída da fábrica, é o cobrador de ônibus, é o trabalhador que gasta dois, três, cinco reais pela rápida prise que tira a fome e anestesia a falta de perspectivas. Ou melhor, sem moralismos baratos, é uma forma acessível de diversão, que vicia.

De volta ao assunto inicial desta coluna, a tão gasta palavra "ética". É divertido observar jornalistas, esses profissionais do cinismo que tão freqüentemente se deixam levar pela hipocrisia, deitarem falação sobre decisões éticas e morais. Em primeiro lugar, este tipo de reflexão só acontece, quando acontece, a posteriori. Na hora de botar a notícia na primeira página, no ar, as hesitações são raras.

O furo justifica quase tudo. Em segundo lugar, quando está em campo, o repórter lança mão de todos os recursos de sedução e ilusionismo para conseguir sua história. Uma história de amor em que pelo menos um dos lados, o do entrevistado, quando não os dois, termina desiludido, tomado pelo penoso sentimento de quem foi traído.

Na busca da notícia que venda, o jornalista muitas vezes se divorcia da realidade, à procura daquilo que, supõe, o leitor quer. E se a realidade contraria este roteiro de ficção, dane-se a realidade. No jornalismo internacional, pude presenciar deprimido a manipulação e adulteração de traduções para que a entrevista correspondesse aos desígnios do repórter. "Shame!"

Para não ficar apenas falando de repórteres na terceira pessoa do plural, conto um pequeno episódio em que tive de me confrontar com uma decisão ética.

Era o terceiro ou quarto dia da revolução romena, Bucareste, 1989. A capital do recém-desmoronado império Ceaucescu tentava retornar a um mínimo de normalidade depois do caos revolucionário. Me distanciei do cinegrafista e seu assistente e, quando me reaproximei, flagrei os dois a induzir um grupo de jovens ao vandalismo.

Havia um carro abandonado da "Securitat", a terrível polícia secreta do terror romeno, e uma pilha de pedras próxima. Meus colegas simplesmente apontaram os pedregulhos para a garotada. É claro, os moços destruíram todo o carro com a munição disponível. Tive um ataque e passei um pito na equipe, falando da irresponsabilidade deles ao intervir num processo tenso e já suficientemente violento, em nome de uma boa imagem. A resposta deles: "Você não vai usar a imagem?". Usei.

Bom, e como esta conversa termina? Certamente, sem conclusão, mas com uma pista: em vez de plantar regras sobre ética e moral, bastaria aos jornalistas um compromisso com a honestidade. E como é o assunto do momento, venho por meio desta prestar a minha solidariedade e apoio a Arnaldo Jabor. Entre o falso progressismo e a coragem de botar a mão nas coisas e lidar com o mundo real, fico com o nosso cineasta-articulista. Dizer não, e repetir não não não, diante da complexidade de nossa tragédia é fácil e covarde.

Sim.

Pedro Bial

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

HISTÓRIAS DE VIDAS INDIGNAS, LONGE DE TEREM UM FINAL FELIZ

Reportagem: Ero Siqueira, Isaac Fernandes e Lucimara Pereira

Vinícius Araújo da Silva, cidadão araguaiense de apenas 12 anos, acorda todos os dias às 6h da manhã. Às 7h toma um pouco de café e come um pedaço de pão e já sai para a lida. Passa amanhã inteira vendendo picolé e lá pelas 11h encerra o serviço, lava-se rapidamente, veste o uniforme escolar e almoça um pequeno prato de arroz e feijão. Às 17h30, Vinícius está de volta. O jantar é tão fraco quanto o almoço. Às vezes Vinícius não agüenta e dorme durante as aulas.

Assim é a história de Vinícius, um enredo tão semelhante ao de milhares de crianças brasileiras, que por interesses mais diversos perdem seus direitos e sua liberdade. Perdem a chance de serem crianças e viverem como tal. Curtem pouco a infância, que termina geralmente aos 7 anos, quando vão trabalhar. Tornam-se uma criança-adulta, com apenas deveres.

“Eu sempre vi os meninos da minha idade ganhar tênis, comprar balinha, bolachas, vídeo-game e eu nunca tive essas coisas. Minha mãe trabalha e mal consegue por a comida dentro de casa, já meu pai nem sei por onde anda”, diz Vinícius que começou a trabalhar aos 7 anos.
Hoje, com 5 anos no mercado de trabalho, não consegue comprar as coisas que deseja. Vendendo picolé diariamente, ganha em média meio salário mínimo por mês (em torno de R$ 200,00). O que ele recebe, entrega para a mãe comprar comida e assim sustentar a ele e os seis irmãos menores, ficando apenas com alguns trocados. Mesmo com tanta dificuldade e com o pouco que sobra, Vinícius afirma que prefere trabalhar, pois ajuda no sustento de casa, e pode no fim do dia se distrair nas casas de jogos.
Drama igual
Marquinhos de Oliveira, 8 anos, vive drama semelhante. Estuda de manhã. À tarde enfrenta o sol, vendendo pastel na rua. No final do dia, já cansado e com os pés doendo de andar, retorna para casa todo feliz com o dinheiro de mais um dia de serviço. Mas o que recebe mal dá para comprar um refrigerante. Dos R$ 3,00 que ganha por dia, apenas R$ 1,00 é dele. Quando questionado sobre o restante do dinheiro, diz: “Dou para a minha mãe comprar as coisas pra nós, pois lá em casa quase sempre falta comida”.

Foi em um bar que aconteceu nossa conversa com Marquinhos, num lugar um tanto inadequado para uma criança de apenas 8 anos. Ele sentou-se e prontamente começou o diálogo. Com o rosto ainda molhado de suor, ele seguiu contando a trajetória. “Eu estudo na escola aqui da vila mesmo, acordo às 6h, me arrumo e vou pra lá”. Sem café da manhã, ele luta com o próprio estômago, “dói muito”. Nosso entrevistado enxuga o rosto, mais uma vez, e volta a falar: “Mal posso esperar a hora da merenda”.

De tão rotineiros, fatos lamentáveis como esses já passam despercebidos das pessoas. As crianças trabalhadoras não têm tempo sequer para brincar ou praticar esportes. Realizando muitas vezes o trabalho de adultos, cumprem longas jornadas sem reclamar, e recebem menos de um salário mínimo.

Denunciar ou não?
Para garantir o direito constitucional das crianças a educação e alimentação com dignidade (artigo 27 da Constituição Brasileira), um passo seria a denúncia dos casos de trabalho infantil para o Conselho Tutelar - órgão responsável nos municípios por verificar o cumprimento da legislação infantil. "Se a denuncia for confirmada por nós, afastamos a criança do trabalho e passamos o caso para promotoria”, afirma Polleyka Fraga, conselheira responsável pelo órgão em Alto Araguaia.


Em casos mais graves de exploração, onde criança trabalha 8h por dia, com o consentimento dos familiares, sem direito a educação e lazer, Polleyka diz que os pais perdem total autoridade sobre a criança.

A denuncia, porém, nem sempre significa o fim do drama para as crianças. Filhos de famílias pobres, muitas vezes sem ter o que comer em casa, têm no trabalho a única forma de ganhar o seu sustento. Uma vez denunciado, corre o risco de perder o emprego, tornando sua sobrevivência ainda mais difícil.

Há famílias cujo pensamento é de que a criança também tem que contribuir no sustento da casa, sob o argumento de que assim estão afastando as crianças do ócio e da marginalidade. Em função disso, os pais colocam as crianças à mercê da exploração da mão-de-obra infantil, e em momento algum consideram o trabalho prejudicial ao menor. A desigualdade social só contribui para que a prática se perpetue.

Mais um Hussein na história americana

Por Isaac Fenandes
Num momento de crise econômica mundial e de instabilidade financeira, o mundo voltou sua atenção para um evento histórico que marcará o final da primeira década do século XXI. Nos Estados Unidos, 45 anos após o auge do movimento dos direitos civis, liderado pelo pastor Martin Luther King, um americano negro chamado Barack Hussein Obama, criado por seus avós longe da linhagem americana de poder e dinheiro, foi eleito o 44º presidente.

Obama representa a esperança de dias melhores, não só para os milhares de americanos que o elegeu, mas também para centenas de líderes políticos mundiais que apostam suas fichas no fortalecimento das relações dos Estados Unidos com seus países.

O Presidente eleito, que ironicamente tem o sobrenome Hussein, precisará do apoio de todos os americanos para conter o desastroso legado de Bush. Enfrentará enormes desafios, como a crise econômica, a guerra do Iraque e a reforma do sistema público de saúde. E acima de tudo, terá que provar para milhares de pessoas, que ainda não se deram conta, que a cor da pele é apenas um mero detalhe genético. Só esperamos que o seu final não seja tão trágico quanto ao do primeiro Hussein que protagonizou o enredo de uma triste história americana.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A Televisão e a representação da realidade na visão de Bourdieu

A televisão como meio produtor de informação e opinião pública, constitui uma fonte geradora de sistemas de representação da realidade, objetivando influenciar a sociedade e incentivar diferentes ações em benefício próprio. Desempenha um papel fundamental para a divulgação e o entendimento dos temas que farão parte da agenda social. A análise do texto, “Sobre a Televisão”, de Pierre Bourdieu, busca compreender os tipos de censura que a televisão está sujeita, sua prática de agendamento e de “esconder mostrando”.

Ao abordar "a censura invisível", que permeia a atividade jornalística, Bourdieu na verdade discute uma censura do ponto de vista externo, operada pela concorrência, pelas leis de mercado e pelos índices de audiência. Uma censura econômica, que é também política. Já no ponto de vista interno, aponta uma autocensura, que influencia o comportamento dos próprios jornalistas, que com origens sociais semelhantes, lêem uns aos outros, apresentam visões de mundo parecidas e buscam atender a expectativas de um (suposto) determinado público. O resultado disso é a produção de informações e abordagens homogêneas.

O fato de os jornalistas que, de resto, têm muitas propriedades comuns, de condição, mas também de formação e de origem, se lerem uns aos outros, se verem uns aos outros, se encontrarem constantemente uns com os outros em debate onde aparecem sempre os mesmos, tem efeito de encerramento e, não devemos hesitar em diz-lo, de censura tão eficazes – mais eficazes até porque o seu princípio é mais invisível – como os de uma burocracia central, uma intervenção política expressa. (BOURDIEU, 2001, p. 20)

Bourdieu atribui, de um lado, à abordagem de "assuntos-ônibus" - temas superficiais que tentam agradar a todos com o intuito de prender a atenção do espectador e aumentar os índices de audiência - e, de outro, ao acesso à "notoriedade pública", "um prêmio capital" para políticos e certos intelectuais. O autor alerta para a tendência da televisão em dominar econômica e simbolicamente o campo jornalístico, fazendo com que os jornais impressos tenham de lutar por sua sobrevivência. Desse modo, fornece uma "agenda" para outros veículos de comunicação, uma vez que um assunto só se torna importante quando abordado pela televisão. Vê-se ocorrer, então, uma "circulação circular da informação". Segundo o autor, as informações pertinentes que a sociedade devia ter acesso, são substituídas pelos casos do dia (sangue, sexo e drama), assim se emprega minutos tão preciosos em informações tão banais, que não divide a opinião pública, mais que são importantes, como afirma o autor, por que “escondem coisas preciosas”.

O factos omnibus são os que, como costuma dizer-se, não devem chocar ninguém, que não são disputados, que não dividem que fazem consenso, que interessam a toda gente, mas de uma maneira tal que não toca em nada que seja importante. [...] E se empregam minutos tão preciosos para dizer coisas tão fúteis, é porque essas coisas tão fúteis são de factos muito importantes na medida em que escondem coisas preciosas. (BOURDIEU, 2001, p.10)

O autor comenta que o acesso de convidados à televisão tem em contrapartida uma censura invisível, ligada ao fato de que o assunto e as condições de sua comunicação são impostos e de que a limitação do tempo impõe certas restrições ao discurso que o torna improvável de dizer algo. Aponta, também, as censuras econômicas, que denomina pressão econômica, determinadas pelos proprietários e anunciantes e que tornam a televisão um instrumento de manutenção da ordem simbólica. Mostra como a televisão exerce uma forma de violência simbólica, gastando tempo valioso para dizer coisas fúteis que são importantes na medida em que ocultam coisas preciosas, como informações que influencie a formação democrática dos cidadãos.

A televisão tem uma espécie de monopólio de facto sobre a formação dos cérebros de uma parte muito importante da população. Ora, pondo a tónica nos casos do dia, preenchendo o tempo tão raro com vazio, com nada ou quase-nada, afastam-se as informações pertinentes que o cidadão deveria possuir para exercer os seu direitos democráticos. (BOURDIEU, 2001, p.10 e 11).

Desse modo, a televisão pode ocultar mostrando (uma coisa diferente do que deveria mostrar, se fizesse o que deveria fazer, isto é, informar), ou mostrar ocultando (tornando algo insignificante pela maneira como mostra ou dando-lhe um outro sentido que não corresponde à realidade). Nesse ponto, o autor explica a "metáfora do óculos", segundo a qual os jornalistas vêem através de óculos especiais que enxergam determinadas coisas de determinadas maneiras, operando um seleção e uma construção da realidade selecionada, com base no princípio da busca do sensacional, do espetacular.

O princípio de selecção é à procura de sensacional, do espetacular. A televisão apela à dramatização, no duplo sentido da palavra: põe em cena, em imagens, um acontecimento e exagera a sua importância, a sua gravidade e o seu carácter dramático, trágico (BOURDIEU, 2001, p.12).

Finalizando, o autor destacada a circulação circular da informação, que consiste no fato de os jornalistas terem propriedades comuns de origem e de formação, de lerem-se uns aos outros e de encontrarem-se uns com os outros, o que causa efeitos de repetição como um jogo de espelhos, que se refletem mutuamente produzindo uma barreira de fechamento mental.

Para saber o que vão dizer, precisam saber o que disseram os outros. Tal é um dos mecanismos através dos quais se engendra a homogeneidade dos produtos propostos (BOURDIEU, 2001, p.18).

Podemos perceber que a televisão como um meio eficiente na formação da opinião pública, tem monopolizado os fatos e as informações que os cidadãos por direito deve ter acesso, exercendo, portanto, como diz o autor uma “censura invisível”, e servindo assim, como um meio e um instrumento de veiculação de ideologias, que trabalha na deformação do cidadão, não na sua formação. Bourdieu mostra que é possível para esse veículo de comunicação se tornar “um instrumento de democracia direta”, em vez de converter-se em um “instrumento de opressão simbólica”.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Domo de Araguainha: um marco na história da vida na Terra

Uma região quase isolada entre Goiás e Mato Grosso, afastada dos grandes centros e acessada apenas por estradas não-pavimentadas, guarda um dos raros fenômenos encontrados no mundo. Há aproximadamente 245 milhões de anos, uma gigantesca bola de fogo teria mergulhado na região onde estão localizadas as cidades de Araguainha e Ponte Branca abrindo uma cratera de 40 km de diâmetro. Um laboratório a céu aberto situado a 80 km de Alto Araguaia-MT, esconde segredos relacionados à evolução da vida na Terra.

Araguainha possui a maior cratera de impacto da América do Sul e está entre as cinco maiores do mundo, cobrindo uma área de um mil e trezentos quilômetros quadrados. Devido sua importância no estudo das extinções em massa da vida na Terra, foi reconhecido no ano de 2000 como “Sitio Geológico Nacional” pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP).

O geólogo Álvaro Crosta, doutor em Geologia pela Unicamp e responsável pelas pesquisas, comenta que o astroblema (problema causado pela queda de um astro) trata-se de uma cratera de 40 km de diâmetro, resultante da colisão de um corpo celeste contra a superfície da Terra, formada próxima ao limite Permiano-Triássico, período em que ocorreu o maior volume de desaparecimento em massa na vida do planeta. Noventa por cento das espécies existentes na época foram eliminadas. O geólogo afirma que toda vez que há um grande extermínio, ocorre um redirecionamento biológico na evolução das espécies. Segundo ele, depois das extinções nesse período, começou uma nova evolução biológica que deu origem aos dinossauros.

De acordo com o geólogo Rogério Roque Rubert, acreditava-se que o local era uma formação vulcânica. Mas, a partir da década de 70, verificou-se que as características encontradas no local apontavam para impactos. “Basta olhar as montanhas que formam um círculo em torno do núcleo da cratera. Elas possuem estrias e deformações bastante visíveis a olho nu. É uma formação única. A metros de distância, já se percebem as estrias e deformações”. Afirma ainda que evidências microscópicas foram encontradas em cristais de quartzos, modificações na estrutura que só existem em locais submetidos a altas pressões.

A hipótese da queda do meteorito foi baseada no reconhecimento de deformações induzidas pelo impacto em amostras coletadas no centro do Domo (estrutura com forma circular e elíptica), bem como na ocorrência de brechas de impacto ao redor de seu núcleo. Os estudos geológicos do Domo de Araguainha mostram que as ondas de choque provocadas pela queda do meteorito modificaram a estrutura interna de rochas típicas dessa região, como os cristais de quartzo e de granito.

Entre outras evidências está o formato circular da estrutura, a semelhança do material encontrado no local com os de outras crateras de impacto conhecidas, incluindo um núcleo central erguido, sucessão de colinas, escarpas e vales disposta de forma anelar e feições de metamorfismo de choque. Álvaro Crosta afirma que “ao passar pela rocha, a onda de choque orienta os grãos desses arenitos em forma cônica, com estrias sempre apontando para uma mesma direção, que é a direção do choque”. Esses resultados reforçaram a origem da estrutura por impacto de um corpo celeste.

As marcas deixadas pelo meteorito que devastou a região são percebidas nas pequenas colinas que brotam no meio do cerrado. “Seria o equivalente a milhões de bombas atômicas iguais à de Hiroshima. É uma escala de energia que o ser humano dificilmente consegue imaginar”, afirma Álvaro Crosta. São nesses escombros do passado que os pesquisadores buscam segredos sobre a origem da vida.

A descoberta do Domo de Araguainha representa um grande valor científico para o Brasil e para a América do Sul, pelo fato do evento ter acontecido próximo do limite Permiani-Triássico, sendo considerado, portanto, com um marco que permite calcular os intervalos de tempo entre esses eventos de grande extinção da vida na Terra. Apesar das evidências serem facilmente percebidas em materiais recolhidos no local, graças à boa preservação desse astroblema, os pesquisadores ainda não conseguiram comprovar a relação da queda do meteorito com o desaparecimento das espécies.

Segundo o geólogo Gercino Domingos da Silva, o sítio geológico atrai especialistas de várias partes do mundo. Cientistas e pesquisadores de vários países exploram o local há muito tempo, mas há pouco que os pesquisadores brasileiros deram conta da importância do evento para a história da vida na Terra. “Vemos o pessoal da Alemanha ou do eixo Rio-São Paulo super interessado no domo, mas não há o mesmo interesse dos geólogos daqui em visitar o local”.

Vandete Pereira de Souza, pedagoga e professora de história que mora na região do Domo a mais de 40 anos, comenta que “só agora as pessoas começaram ter informações sobre esse acontecimento tão importante que pode revolucionar a economia da cidade. As pedras eram retiradas do local para serem utilizadas no calçamento de ruas, os cientistas europeus retiravam materiais sem nenhuma dificuldade”. Comenta ainda que por falta de informação, o senhor Erpídio Ribeiro, que era proprietário da fazenda onde foi colocada a placa que demarca o centro da cratera, vendeu “a preço de banana” sua propriedade. “Grande parte do Domo estava dentro de sua propriedade, e ele por não conhecer o potencial do local para o turismo geológico vendeu por um preço irrisório”.

A população que habita a região do Domo pouco sabe sobre o evento que proporcionou ao local um potencial enorme para pesquisas científicas, muito menos sabe a razão pela qual esta importante estrutura deve ser preservada. Adelice Pereira, 68 anos, uma das fundadoras da cidade afirma que nos últimos anos muitas pessoas têm aparecido pra visitar a região. “Parece que vem até uns cientistas do estrangeiro. Eu não sei o porquê esse povo sai lá do fim do mundo e vem pra uma cidadezinha igual essa que não tem nada pra oferecer pra eles”.

De acordo com o geólogo Gercino da Silva, as pessoas retiram o que querem do local sem controle algum, por isso no início de 2007, as prefeituras de Araguainha, Ponte Branca, Alto Araguaia e o Ibama assinaram um documento propondo a criação de uma área de proteção ambiental no local onde aconteceu o evento, com o objetivo de obter recursos para preservar as estruturas da cratera. Nota-se, portanto, a necessidade de um projeto de conscientização da população sobre o valor do sítio que é reconhecido como patrimônio científico e cultural, bem como para a importância e as formas de preservação.

domingo, 2 de novembro de 2008

Nota 10

O III Simpósio de Jornalismo de Alto Araguaia- Unemat, com o tema, “A Regionalização Midiática”, reuniu conferencistas, alunos, professores e estudiosos interessados em discutir a mídia regional no cenário comunicacional contemporâneo.

Entre os principais palestrantes estiveram presente o Prof. Me. Ivanor Guarnieri (UNIOESTE-UNIPAR), Prof. Dr. Yuji Gushiken (UFMT) e o Prof. Me. Roberto Reis (UNIMAR).

A programação do Simpósio disponibilizou um ciclo de debates abordando assuntos de relevância para a pesquisa em comunicação e as práticas jornalísticas. Dentre os temas abordados, merece destaque a palestra do Prof. Me. Roberto Reis que discutiu as limitações e as potencialidades da Mídia Regional e Local, no cenário que se configura nesse novo panorama midiático.

Merece destaque ainda, o espaço aberto no evento para a apresentação das produções acadêmicas. O grande número de trabalhos apresentados e a qualidade das pesquisas surpreenderam os participantes.

Para fechar com chave ouro, o evento encerrou com o lançamento do livro, Ver e Entrever a Comunicação: Sociedade, mídia e cultura, organizado pelo Departamento de Comunicação Social da Unemat, que discuti os novos paradigmas da comunicação na sociedade contemporânea e aborda a necessidade de entender as novas mídias que reconfigurou a práxis jornalística nessa realidade de convergência tecnológica.

Eventos como esse, nesse cenário “de grandes mudanças e de forte opacidade, que fragmentam as identidades”, são de fundamental importância, pois possibilitam uma análise sistemática dos elementos e das configurações atuais no universo midiatico.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Jornalismo Regional e Livro-Reportagem: Preservação e Reconhecimento das Identidades Locais


(Trabalho apresentado no III Sinposio de Jornalismo - UNEMAT)
Orientadora: Profª. Me. Shirlene Rohr

Resumo
Os interesses comerciais que ocupam cada vez mais espaços nas empresas jornalísticas não permitem uma abordagem que ultrapasse as fronteiras do imediato, escamoteando uma visão mais aprimorada do contemporâneo, ao desprezar as peculiaridades do cotidiano e ao ignorar as questões locais. No universo amplo do jornalismo, o Livro-reportagem é apresentado neste trabalho como uma importante ferramenta do Jornalismo Regional, por ser isento da obrigação severa com a periodicidade, com os temas atuais e com o formato de produção da mídia habitual. Por oferecer ao autor, um vasto campo de liberdades funcionais; oferecendo, portanto, uma abordagem aprofundada da realidade social e do cotidiano de seus personagens. Privilegiando a produção e as lutas simbólicas da comunidade local, de forma a preservar e fortalecer suas identidades.

Palavras-chave:
Jornalismo regional; Livro-reportagem; identidades; mídia; sociedade.


segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A REALIDADE NUA E CRUA

(Reportagem vencedora do I Prêmio DEPCOM de Jornalismo na categoria Texto Informativo.)




Piranha, psicóloga da noite, cortesã, dadeira, garota de programa, santa do pau oco, camélia, mulher da vida, profissional do sexo, secretária do amor, fodedeira, mulher marginalizada, rampeira, galinha, dama da noite, quenga, puta, Maria Madalena, vadia, biscate, meretriz, vagabunda, Rosa Palmeirão, mulher da vida fácil.”
Segundo Marina Martins, em Vozes dos anônimos, assim são conhecidas na sociedade as protagonistas que compõe o enredo de uma história de exploração, de preconceitos e de exclusão social. Mulheres com uma estrutura familiar fragilizada, que são obrigadas a utilizar o corpo como uma ferramenta de trabalho e como forma de sobrevivência, porque é a forma mais acessível numa realidade de pobreza e falta de oportunidades.
Que pensamentos podem ocorrer a quem vai encontrar com uma prostituta em plena praça pública, pagando por um serviço que não é o comum? Ansiedade, apenas ansiedade. Ao telefone ela me pareceu um tanto descontraída e disposta a falar, espero que minhas ferramentas de trabalho (um gravador e uma caderneta de anotações) não a assustem. Olho pro relógio e percebo que apesar da minha ansiedade ainda faltam 5 minutos para o horário marcado. Tenho a impressão de que já estou esperando há mais de uma hora. Aproveito para dar uma última olhada nas minhas anotações.
As luzes amarelas que enfeitam os troncos das árvores dos canteiros centrais da Avenida Carlos Hugueney dão um toque de alegria à cidade. Na praça, a “fonte luminosa” jorrando águas coloridas encanta os fiéis que saem da missa. O padre oferece a mão ao beijo das carolas que insistem em permanecer na frente da igreja.
Sentado num banco de concreto vejo atravessar a faixa de pedestre uma mulher de miniblusa rosa e saia curta, o andar um pouco desconcertado, devido à altura das sandálias. O caminhoneiro pára para deixá-la passar, põe a cabeça pra fora da janela do caminhão e lhe diz algo. Ela esboça um sorriso, puxa a microssaia para baixo e continua caminhando na direção da praça. São 20h45.
- Pontualidade britânica! Procuro quebrar o gelo com essa frase. Apresento-me, ela me beija o rosto. Quase não controlo a vontade de olhar em volta, pra ver se as pessoas nos observam, mas me detenho.
A maquiagem exagerada, a roupa extravagante e a maneira de falar tão característica, me fizeram ter a certeza de que eu não iria entrevistar apenas uma mulher, entrevistaria a genuína representante de uma classe de mulheres que não são contempladas com ações governamentais, vítimas de preconceitos, um grupo excluído socialmente.
- Que que ocê qué sabê, bem? Pode perguntar que eu te conto tudo!
Francileide da Silva inicia nossa entrevista num tom de deboche. Apesar de tentar parecer descontraída e à vontade, não me olha nos olhos, mantém-se cabisbaixa, quando o olhar não divaga pela praça.
Não tem o padrão de beleza imposto pela sociedade e nem o corpo escultural das garotas de programa que vemos diariamente na mídia. A pele negra e o cabelo crespo só reforçam o preconceito. O sofrimento tirou da jovem prostituta de 24 anos o frescor da juventude. A aparência não condiz com a pouca idade.
- Já sofri como pôcas pessoas no mundo. Meus pais morreu quando eu tinha 12 anos num acidente de carro. Fui morar com minha vó, mãe do meu pai. Dois dias depois da morte deles eu fui estrupada pelo meu tio, e foi aí que eu caí na vida.
Francileide faz uma pausa, permanece em silêncio alguns instantes, recomeça a falar quase que sussurrando.
- Durante dois ano fui obrigada a dá pro meu tio. Minha vó mi jogava na cara que num era obrigada sustentá vagabunda. Um dia discubrí que estava barriguda, eu tinha 14 ano. Quando contei pra minha vó que tava grávida, e que o pai era meu tio, ela me expulsô de casa, sem dó nem piedade. Fui pra rua sem família, sem nada e ainda grávida.
Ouço, apenas, não a interrompo. Com o gravador ligado, abandono minhas anotações.
- Perambulei pelas rua de Cuiabá dois mêis, cumeno o pão que o Diabo amassô, dano pra qualquer um, em troca de cumida. Além de tudo a barriga ainda tava cresceno. Depois de dois mêis na rua, fui lá pra casa da Romilda, um putero que tem lá na vila, trabalhei trêis mêis sem ganhá um real, só pagano o aborto que quais me matô. Fiquei lá trêis ano, minha vó nunca me procurô. Até hoje eu sô assim, purquê ningueim nunca me deu uma força. A gente se sente muito mal, num tem ningueim pra te amá. Nem a própria família te ama.
- Mesmo depois de déis ano eu não consegui perduá meu tio e minha vó. Quase murrí, eu num ia criá filho de um vagabundo que dizia que era meu tio, então abortei e comecei dá, pra podê comê e tê onde morá.
Em um único fôlego ela segue respondendo todas as perguntas que eu havia preparado em meu bloco de anotações, sem que ao menos eu questionasse. Deixei-a à vontade pra narrar uma história tão conhecida em que a única variante é a carteira de identidade das personagens. Às vezes os olhos lacrimejam, às vezes um sorriso debochado, ela segue contando sua triste história.
- Já acustumei ser tratada como lixo, nunca tive direito a nada e nem razão. Já fui violentada, espancada, já sofri todo tipo de humilhação que ocê pode imaginar e ninguém se importa.
- Um dia depois de fazê um programa, o homem que era um caminhonero me chamou pra viajar com ele. Peguei minhas coisas escondido e entrei nu caminhão dele. Ficamos algumas semanas viajano e na volta pra Cuiabá eu resolvi ficá aqui, e tou até hoje. Aqui pelo menos num é tão perigoso como lá.
Francileide prossegue em sua narrativa e vou percebendo que por trás de um rosto bem maquiado, das unhas vermelhas, do decote, do corpo à mostra, da sensualidade, do erotismo em excesso e do comportamento vulgar, esconde-se uma mulher marginalizada, com seus direitos básicos ignorados e seus desejos esquecidos. Antes de tudo, um ser humano que sonha suprir suas necessidades de mulher comum, que possui medos, aspirações e sonhos e, para isso, precisa de uma atividade que lhe proporcione alguma renda, como qualquer pessoa. Sem escolaridade para um emprego “lucrativo”, a alternativa é fazer do corpo seu instrumento de trabalho.
- Eu queria que as pessoas olhasse mais pra gente, não discriminasse, não jogasse pedra na gente, entendeu? A gente é ser humano. Se eles não pudé ajudá, mais pelo menos não atirasse pedra, olhasse mais pra gente, entendeu? Tentasse pelo menos ajudá com uma palavra amiga. Eu acharia muito bão.
Num período em que a revolução alcançou o endereço tradicional da categoria, a praça pública e as esquinas estão cedendo espaços para outros ambientes, em geral fechados. As atividades estão deslocando-se cada vez mais das ruas para casas de massagem, espaços de shows eróticos e discretos pontos de encontros que pouco têm em comum com os bordéis de antigamente. “As profissionais do sexo” entraram na época da tecnologia. Usam e abusam de celulares e de variados aparatos tecnológicos. Utilizam pseudônimos, usam os classificados de jornais, revistas especializadas e até a internet para vender seus atributos.
Francileide faz parte de uma classe diferente de prostituta contemporânea, atende em um ponto de prostituição próximo à rodoviária, um ambiente noturno hostil, freqüentado por todo tipo de homem.
- Chego antes da meia-noite. Bebemos todos junto lá na casa, coloco uma roupa insinuante e parto para a conquista. Tenho que seduzir o máximo de homens numa noite, para consegui ganhá um dinheiro que dê pra me mantê. Às vezes fico com trêis ou quatro hôme numa noite, a maioria dos meus clientes são caminhonero que estão passano pela cidade.
E quanto é?
- Cobro de 15 a 20 reais por programa, isso depende da cara do cliente. A metade do lucro fica pra dona do cabaré. Nas noites que o movimento lá na casa ta fraco, eu desço lá pra saída do Taquari ou eu venho aqui pra praça cercar os caminhonero.
Olho pro relógio e vejo que meu tempo esgotara. Para não ter que arcar mais uma hora com ela, corro os olhos pelas minhas anotações e ligeiramente levanto um último questionamento sobre assunto que ela ainda não havia abordado, e Francileide prontamente retoma sua fala.
- Bem, um dos meus medo é de engravidá. Não é fácil ser filho de uma puta, vejo o sofrimento das minhas amigas que além de trabaiá toda noite, agüentá essa vida, ainda tem que preocupá com os filhos, por isso é que eu não fico um dia sem tomá anticoncepcional. Mais o meu maió medo mesmo é de pegá AIDS, porque a maioria dos homens que transam comigo não gostam de usar camisinha, e eu não posso me dá o luxo de recusar um cliente.
Pára um instante, fica pensativa, inspira profundamente e prossegue:
- Bem eu não tenho nada, não sou ninguém, mais o meu maió sonho é encontrá alguém que me tire dessa vida. Um homem que me ame de verdade. Quero deixá de ser puta, ter filhos, amar alguém, porque a muié quando não é amada ela fica amarga e eu não quero perder a parte boa que ainda existe em mim.
As horas passaram sem que ao menos eu percebesse a velocidade. Francileide se despede de mim após receber pela hora reservada à entrevista e se prontifica caso eu volte a precisar. Sentado ainda no banco de concreto vejo-a se distanciar da praça, fico imaginando como somos egoístas a ponto de discriminar alguém que busca desesperadamente um pouco de conforto, carinho e de atenção.

Isaac Fernades
Texto publicado no jornal laboratório "Provocação".

sábado, 18 de outubro de 2008

A fragmentação das identidades e os rumos tomados pela comunicação após o 11 de setembro


Jesús Martín-Barbero nasceu em Ávila (Espanha, 1937) e vive na Colômbia desde 1963. Estudou filosofia em Lovaina (Bélgica, 1971) e Antropologia e Semiótica na École des Hautes Études (Paris, 1972-1973). Fundou e dirigiu o Departamento de Ciências da Comunicação na Universidade de Valle (Colômbia), sendo professor e investigador desse departamento (1983-1995). Na Universidade ITESO (Guadalajara, México), investiga os novos regimes da oralidade cultural e os aspectos visuais da electrónica. Trabalhado, fundamentalmente, os estudos de ciências sociais e a investigação em comunicação na América Latina.

Dentre os estudos realizados por esse pesquisador, o presente trabalho faz análise do texto, “Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século”, onde o autor discute os processos, os meios e as práticas da comunicação numa realidade tecnológica e globalizada que obedecem a uma ordem mercadológica capitalista.

O autor introduz o texto abordando os rumos tomados pela comunicação após o 11 de setembro em Nova York e o Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Na visão do autor, não há como analisar a comunicação sem entender o que aconteceu com o mundo após esse atentado terrorista e após as novas perspectivas aberta pelo fórum.

Afirma que esses dois episódios são fontes de extrema tensão no mundo globalizado, que convive hoje tanto com a desconfiança que leva ao aprofundamento das fronteiras quanto com a potencial subversão contra o sistema dominante patrocinada pelas novas tecnologias da comunicação. É neste ambiente que a comunicação, no começo do novo século, encontra-se encarcerada entre fortes mudanças e densas opacidades, que derivam da necessidade de uma razão comunicacional que dê conta da fragmentação que desloca e descentra, do fluxo que comprime e globaliza e da conexão que desmaterializa e hibridiza.

Entre as mudanças e opacidades citadas por Martín-Barbero, estão os efeitos que os processos de globalização econômica e informacional provocaram sobre as identidades culturais, a educação, o mundo do trabalho, o exercício da cidadania e a percepção do tempo.

Na visão do autor, a globalização acelera as operações de desenraizamento e tende inscrever as identidades nas lógicas dos fluxos. É claro que a comunicação na sociedade globalizada faz-se como eficaz motor da venda de bens simbólicos, sustentáculo para a legitimação do consumo de todo e qualquer tipo de mercadoria, sempre no sentido centro-periferia.

Ao comentar as mutações infligidas pela globalização sobre identidades culturais, o autor afirma que um novo tipo de mudança estrutural está fragmentado as paisagens de classes, gênero, etnia, raça e nacionalidade, que no passado nos tinha proporcionado sólidas localizações como indivíduos sociais. Transformações que estão mudando nossas identidades pessoais.

Até pouco tempo, identidade se confundia com raízes, ou seja, com costumes, territórios, tempo longo e memória simbolicamente densa. Hoje, a tecnicidade midiática acrescentou à formação das identidades culturais as migrações, as redes, os fluxos, a instantaneidade e a fluidez. As raízes ganharam movimento.

Comentando a relação da tecnicidade midiática com a educação, o autor afirma que os meios estão modificando a forma de organizar e distribuir saberes. A tecnicidade, diz ele, possibilita uma experiência de aprendizagem diferente. Um campo de exposição e troca cultural. Neste espaço virtual as diversidades entre culturas se aproximam, se mesclam, oportunizando novas habilidades, novos saberes, novas imagens de trabalho e uma nova forma, inclusive, de se pensar o professor. A quantidade de informação e conhecimento do mundo moderno exige que o professor redimensione seus currículos e estabeleça prioridades.

Segundo o autor, entramos em primeiro lugar, diante de um novo estatuto social do trabalhador. A passagem de um trabalho caracterizado pela execução mecânica de tarefas repetitivas a um trabalho com um componente maior de iniciativa por parte do empregado. A deslocar o exercício da predominância da mão para o cérebro, mediante novos modos do fazer que exigem um saber fazer, pressupõe uma demonstração de destrezas com um componente mental maior.

Na lógica da competitividade, o trabalho sofre uma forte retratação e até o desaparecimento do vínculo societário entre trabalhador e empresa. Ao mesmo tempo muda também a figura do profissional, convertida no lugar de expressão da nova complexidade de relações entre mudanças do saber na sociedade de conhecimento e as mudanças de trabalho numa sociedade de mercado.
Também o nível salarial tem cada vez menos a ver com os anos de trabalho na empresa. Os profissionais que levam muitos anos numa empresa são substituídos por jovens recém-formados que, além do mais, começam a trabalhar ganhado o dobro do salário dos antigos.

Para o autor, as identidades/cidadanias modernas, ao contrário daquelas que eram atribuídas a partir de uma estrutura preexistente com a nobreza ou a plebe, constroem no diálogo e no intercâmbio e principalmente na negociação do reconhecimento pelos outros. As novas figuras cidadãs remetem a políticas de reconhecimento, vivendo assim do reconhecimento dos outros.

Ao discutir a percepção do tempo, o autor afirma que de um lado, as mídias de massa se transformam em máquinas de produzir presente, ou seja, acham se dedicadas a fabricar esquecimento. O que vale como notícia é o que nos conecta com o presente que está acontecendo, o que, por sua vez, permite que o tempo em tela de qualquer acontecimento deva ser também instantâneo e equivalente, com o que o presente convertido em atitude dura cada vez menos, que é ao que o mercado se dedica em seu conjunto, ao planificar a acelerada absolescência dos objetos como condição de funcionamento do próprio sistema de produção; por outro lado, a febre de memória é também crescente: desde o crescimento e expansão dos museus nas duas últimas décadas à restauração dos velhos centros urbanos, ao sucesso da novela histórica e relatos biográficos, à moda retro em arquitetura e vestidos, ao entusiasmo pelas comemorações e ao auge dos antiquários.

Martín-Barbero alerta ainda que a parafernália midiática criou novos campos de mudança, que devem ser compreendidos para que se vislumbre como se processam e que efeitos provocam em pontos crítico da sociedade atual, como, por exemplo, a desterritorialização/relocalização das identidades, as hibridações da ciência e da arte, dos escritos literários, audiovisuais e digitais e a reorganização dos saberes desde os fluxos e redes, pelos quais se mobilizam não só a informação, mas também o trabalho e a criatividade.

O autor extrai do cenário atual da comunicação duas perversões e duas oportunidades. As perversões estão vinculadas à tendência de concentração no controle dos veículos e conteúdos que circulam pelas redes mundiais de comunicação e nas ameaças contra a liberdade de expressão e informação surgidas a partir do 11 de setembro. As duas oportunidades se baseiam nas possibilidades abertas pela digitalização, que pode fomentar o aparecimento de uma linguagem comum de dados, que desmonte a hegemonia racionalista do dualismo que até agora opunha a razão à imaginação, a ciência à arte e o livro aos meios audiovisuais. A segunda oportunidade diz respeito à configuração de um novo espaço público e de cidadania.

Aborda ainda os perigos e as promessas de um mundo midiático em que a comunicação ganhou o status de estrutura. . De um lado, a visão de que a tecnologia é o motor principal das mudanças que estamos presenciando e experimentando; de outro, um olhar sobre a comunicação e a produção de conhecimentos a partir das “re-produções” – grafia escolhida pelo autor – que realizam os receptores com base nos referentes informativos com os quais negociam sentidos.

Análise do filme “Obrigado por fumar”



O filme “Obrigado por fumar”, de Jason Reitman, relata a saga do lobby Nick Naylor (Aaron Eckhart), que ganha a vida defendendo as indústrias do cigarro. Na busca por melhorar a imagem da indústria do tabaco, o lobista manipula informações, de forma a diminuir os riscos do produto e influenciar políticas de governo em favor dessas empresas.

O poder argumentativo de Nick atraia a atenção não só dos principais chefes da indústria do tabaco, mas também de Heather Holloway, a repórter de um jornal de Washington que deseja investigá-lo e que usa de meios “escusos” para conseguir seus objetivos. Momento único no filme em que seu profissionalismo pode ser questionado.

A trama aborda ainda a relação conflituosa entre Nick e um senador, que deseja colocar rótulos de veneno nos maços de cigarros e com essa atitude desesperada, tenta prejudicar os negócios bilionários das indústrias de tabaco. Nick conta com a ajuda de um poderoso agente de Hollywood, para fazer com que o cigarro seja promovido nos filmes.

Em todos os conflitos apresentados pelo filme, o personagem utilizando o seu poder de argumentação e persuasão, passa de vilão para herói. Faz a audiência torcer por ele, pelo carisma e habilidade de conversar e convencer. Nick justifica suas ações com a necessidade de pagar sua hipoteca.

O filme propicia uma reflexão e um interessante debate sobre a conduta do profissional de assessoria e sua relação com a organização para qual desenvolve alguma atividade. Assim, a partir do tema abordado pelo filme em questão e fundamentado no texto “Afinal, o que o mercado profissional quer de você?” de Maristela Mafei, a presente análise busca traçar o perfil do profissional da assessoria, a partir de ações desenvolvidas por Nick.

Ao abordar o perfil do assessor de imprensa, Maristela Mafei comenta que o “assessor deve ter a con­fiança de todos os gestores, e tomar decisões sobre os melhores passos a serem seguidos em nome da boa imagem da empresa”. Nick não importa com os danos que suas ações podem causar a sociedade, atua em prol da organização sem se preocupar com ética e valores. Para o personagem acima de qualquer valor ético e moral estão os interesses profissionais. Essa afirmação fica clara quando Nick leva um presente para o homem Marlboro. O presente, uma mala cheia de dinheiro, na verdade, um suborno para que o homem propaganda pare com as denúncias contra as empresas de tabaco.

Maristela afirma que “o assessor não deve ser passivo, mas antecipar cenários que possibilitem a elaboração de um planejamento estratégico de comunicação capaz de gerar uma imagem positiva do assessorado”. O personagem na busca por elevar a imagem da organização que representa, faz com que o cigarro seja promovido nos filmes de estrelas em Hollywood, que aparecem fumando no espaço sideral, em uma ficção científica futurista.

A cenas que merece destaque, é a cena do debate na TV em que Nick encara um senador progressista, um ferrenho anti-tabagista, envolvido numa campanha feroz para que seja colocado o desenho de uma caveira em cada maço de cigarros. Usando o seu poder de argumentação, Nick passa de bandido a mocinho transfere toda imagem negativa para o senador que é defensor de queijo cheddar. Maristela comenta que é necessário que se trabalhe uma “política estratégica de comunicação, liderada por profissionais capazes de pla­nejar cada item e cada passo da exposição do assessorado”. Segundo a autora é essa política que influenciará positivamente a imagem da empresa.

Maristela comenta que o assessor tem o controle sobre a mensagem final que chega ao público-alvo, e é nesse ponto importante que o personagem falhou. Ao se envolver com a jornalista e deixar vazar informações importantes, Nick quase colocou a perder todo esforço utilizado por ele na busca por melhorar a imagem da indústria do tabaco.

Graças a sua capacidade estratégica e seu poder de argumentação, Nick conseguiu reverter a situação e recuperar sua imagem como lobista e a imagem da indústria de tabaco.
Por fim, podemos perceber que ao abordar os dilemas éticos da atividade do lobista, o filme permite-nos traçar o perfil do profissional nele representado. Percebemos que acima da conduta ética e moral, está fidelidade do profissional à empresa e a preocupação com sua imagem quanto profissional. Para Nick as questões profissionais estavam acima de tudo.

O discurso ideológico da democracia racial no Brasil


Em sua obra Marxismo e filosofia da linguagem, Mikhail Bakhtin discuti a natureza ideológica do signo lingüístico e o dinamismo próprio de suas significações. Aborda conceitos importantes para o estudo da linguagem e para a análise do discurso, evidenciando as ideologias que permeiam o discurso e as interações existentes entre a infra-estrutura e a superestrutura. O autor mostra que a ideologia é determinada pelos contextos de onde surgiu determinada manifestação discursiva, do suporte através do qual é transmitida e da realidade social na qual está inserido seu interlocutor. Baseado nesses conceitos o presente texto busca identificar elementos ideológicos na construção discursiva da mídia com relação ao mito da democracia racial no Brasil.

Bakhtin retrata as mudanças lentas e contínuas que as ideologias sofrem ao passar pela palavra e pelos discursos construídos na realidade social até atingir a superestrutura. Para o autor, a infra-estrutura constitui a base das instituições sociais. A realidade, as informações, os fatos e os desdobramentos são essenciais para a constituição social de uma determinada comunidade. Enquanto a superestrutura refere-se a elementos como, camadas ideológicas, mentalidades de uma época, e economia, gerados pela infra-estrutura e pelos reflexos que suas mudanças acarretam.

O autor afirma que todo discurso é carregado de ideologia, e, portanto, possui uma carga de interferência social, pois ao ser manifestado pelo sujeito sofre também influências ideológicas do próprio autor, do interlocutor e, principalmente do contexto discursivo em que se enquadra, pois, a partir do momento que um indivíduo está inserido em uma sociedade, ele sofre influência dela e das experiências pelas quais já passou. Para o autor essa interação social é responsável pela consciência do indivíduo, que é uma consciência coletiva e não individual.

Ao discutir as propriedades da palavra o autor afirma que ela é “um material ideológico, por excelência”. Se as palavras nascem neutras, mais ou menos como estão no dicionário, ao se contextualizarem passam a expandir valores, conceitos e pré-conceitos. O autor mostra que toda palavra está permeada de um conteúdo ideológico, pois “refletem, de um modo mais ou menos evidente, os interesses, as interpretações de determinados grupos, capazes num dado momento histórico, de fazer valer a sua concepção de mundo”. Afirma que a palavra orienta-se para um destinatário e esse destinatário existe numa relação social clara. As interações são entendidas como espaços de imposição de uma classe dominante que constroem mecanismos de controle visando garantir seus interesses pessoais, políticos e econômicos.

Os discursos são fundamentados em ideologias que utilizam de signos e da semiótica na obtenção de sentido e são transmitidos de forma a ocultá-los, buscando a facilitação da absorção pelo sujeito, pois para o autor tudo que é ideológico possui significado e remete a algo situado fora de si mesmo.

A analise do discurso apresentada por este texto é feita baseada nos conceitos discutidos por Bakhtin, buscando perceber no texto em anexo as ideologias presentes que buscam na interação social influenciar a consciência do indivíduo. O texto escrito por Rodrigo Constantino circula livremente por diversos sites, é uma resenha do livro “Não somos racistas – Uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor”, do diretor de jornalismo da Rede Globo Ali Kamel, que afirma não haver opressão racial no Brasil porque somos “orgulhosos de nossa miscigenação, do nosso gradiente tão variado de cores”.

Não Somos Racistas
Rodrigo Constantino

O racismo, até então inexistente como uma característica predominante da nação brasileira, que sempre teve orgulho de sua miscigenação, pode estar florescendo por aqui. A mentalidade maniqueísta que divide o povo entre brancos e pretos está por trás desse lamentável fato. Eis a tese defendida com sólidos argumentos pelo jornalista Ali Kamel em seu recente livro Não Somos Racistas, uma leitura fundamental para quem pretende compreender melhor os rumos que o país está tomando na questão racial. Ali Kamel deposita uma boa parcela de culpa no governo FHC, que teria avançado nessa remodelagem de uma nação bicolor, onde brancos oprimiriam negros. Tal mentalidade estaria totalmente de acordo com o defendido pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso nos anos 1950. No governo FHC foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, o que já denota este racismo que divide tudo em brancos e negros. Eram os primeiros passos do que viria a se transformar no regime de cotas durante a gestão de Lula, que tem até um Ministério da Igualdade Racial. As sementes que poderão germinar no até então inexistente ódio racial brasileiro foram plantadas por FHC, e bastante regadas por Lula. O país já possui leis que previnem contra o preconceito racial, e a própria Constituição prega a isonomia das leis. Ali Kamel diz: “Num país em que no pós-Abolição jamais existiram barreiras institucionais contra a ascensão social do negro, num país em que os acessos a empregos públicos e a vagas em instituições de ensino público são assegurados apenas pelo mérito, num país em que 19 milhões de brancos são pobres e enfrentam as mesmas agruras dos negros pobres, instituir políticas de preferência racial, em vez de garantir educação de qualidade para todos os pobres e dar a eles a oportunidade para que superem a pobreza de acordo com os seus méritos, é se arriscar a pôr o Brasil na rota de um pesadelo: a eclosão entre nós do ódio racial, coisa que, até aqui, não conhecíamos”.

Em seguida, Ali Kamel dá continuidade à sua argumentação, lembrando que o conceito de raça sequer existe geneticamente: “Definitivamente, não existem genes exclusivos de uma determinada cor”. O próprio conceito de raça em si deve ser superado, e indivíduos devem ser julgados por outros critérios que não a cor da pele, algo totalmente irrelevante em relação ao caráter e capacidade intelectual. Não existem raças superiores ou inferiores, e abraçar tal crença é mergulhar na irracionalidade.

Dando prosseguimento aos argumentos, Ali Kamel mostra como as estatísticas têm sido mal interpretadas ou até mesmo manipuladas. O grosso da população brasileira se considera pardo, um termo vago que abrange várias tonalidades de cor. As estatísticas apresentadas para “provar” um suposto racismo como causa da miséria dos negros têm utilizado todos os pardos como negros, enquanto estes representam uma pequena minoria do total. Fora isso, há uma enorme confusão entre correlação e causalidade, onde passam a considerar como causa da pobreza a cor da pele, sendo que observando mais a fundo os números, fica claro que a pobreza não faz distinção de cor. O Pelé não é vítima de preconceito racial, assim como vários outros negros ricos. Já brancos pobres costumam ser vítimas de preconceitos. Ali Kamel diz existir um “classismo” no Brasil, onde a pobreza em si gera preconceito, mas não a cor da pele. Casos isolados sempre vão existir em qualquer lugar, mas claramente o racismo não é uma marca da nossa nação, tampouco o motivo da existência de tantos pardos e negros na pobreza. Se assim fosse, os brancos seriam oprimidos pelos amarelos, já que estes ganham o dobro do salário daqueles, na média. O racismo, na verdade, não explica a discrepância de renda. Um negro, um pardo e um branco com a mesma qualificação costumam receber o mesmo nível de salário.

Um outro livro fundamental para quem pretende conhecer mais a fundo a questão das cotas raciais é Ação Afirmativa ao Redor do Mundo, de Thomas Sowell. O próprio Ali Kamel usa em seu livro os estudos empíricos do professor negro e PhD. pela Universidade de Chicago. O trabalho de Thomas Sowell é esclarecedor sobre as conseqüências nefastas do regime de cotas. O que era para ser temporário passa a ser permanente e costuma abrigar novas minorias, pois políticos não acabam com privilégios estabelecidos. Onde não havia ódio racial este passa a existir, inclusive com casos de guerra civil, como em Sri Lanka. Apenas os mais afortunados entre a minoria privilegiada se beneficiam das cotas. Em resumo, a ação afirmativa falha em todos os sentidos. Ali Kamel conclui: “Errar, ignorando toda a experiência internacional sobre o assunto, é caminhar conscientemente para o desastre. No futuro, se se repetir aqui o que aconteceu lá fora, não haverá desculpas”.

PS: Para quem acha que o alarde é exagerado e o racismo, mesmo com todo o barulho na defesa de privilégios, ainda está longe de ser nossa realidade, pode fazer um simples exercício: imaginar qual seria a reação dos defensores de cotas e de todas as vítimas do “politicamente correto” caso um grupo de música fosse lançado com o nome “Raça Branca”.


Nossas considerações
Percebe-se que o pensamento ideológico sobre a questão de raça no Brasil está diretamente ligado ao mito, pois cremos que vivemos harmonicamente brancos e negros, já que não há guerra entre raças, e os negros andam livremente pelas ruas. Mas esquecemos que os negros não ocupam os mesmos postos de trabalhos, que a maioria da população carcerária é negra porque lhes faltam oportunidades, que existe uma desigualdade acentuada nas mais diferentes esferas – educacionais, econômicas, e tudo isso é mascarado pelo mito da democracia racial. Quantos jornalistas negros trabalham na empresa de comunicação onde o autor do livro é o diretor de jornalismo?

Gilberto Freyre, importante intelectual da primeira metade do século XX é um dos responsáveis pela implantação desse mito. Em sua obra mais conhecida, lançada em 1933, Casa grande & senzala, o autor comenta como negros e brancos conseguiram na estrutura da fazenda açucareira, viver em “relativa harmonia”. O autor afirma que havia uma “convivência pacífica” entre negros e brancos, citada por ele como vantagem na civilização brasileira.

Ao longo dos anos esse discurso carregado de ideologias foi se estruturando em nossa sociedade, e enquanto isso o negro continuou sendo explorado economicamente pela classe dominante branca. O jornalista Ali Kamel afirma que querem nos transformar em um país bicolor, mas já somos um país bicolor desde quando os negros foram arrancados de seus países de origem, jogados em porões de navios acorrentados e trazidos paro o Brasil, para aqui serem explorados e entregues como objetos aos brancos. Afirma ainda que na pós-Abolição jamais existiram barreiras institucionais contra a ascensão social do negro, mas ignora que após a abolição os negros foram jogados ao acaso pelas periferias das cidades sem emprego, sem moradia, sem educação, sem a mínima condição de sobrevivência.

Com o advento da informação, os meios de comunicação de massa adotaram esse discurso como instrumento ideológico visando o controle social pela legitimação da estrutura vigente de desigualdades raciais, impedindo que a situação se transforme em questão pública e, consequentemente, sujeita a intervenções, garantindo assim o acesso aos mecanismos de controle pela classe dominante. É importante não esquecer que estamos analisando a obra de um diretor de jornalismo de um dos maiores meios de comunicação de massa do mundo (Rede Globo de Televisão), e o acesso a esse conteúdo ideológico elaborado por ele, tem grande circulação pela internet. O jornalista afirma que o racismo não é o motivo da existência de tantos pardos e negros pobres no Brasil, mas qual a explicação para esse fenômeno se ele mesmo afirma que as oportunidades são as mesmas para brancos e negros, e que a cor da pele é algo totalmente irrelevante em relação ao caráter e capacidade intelectual?

Assim baseado nas teorias de Bakhtin, percebemos que os discursos ideológicos exercem grande influência sobre a constituição social de uma determinada comunidade. E na sociedade moderna em que vivemos o excesso e a velocidade de transmissão e de recepção de informações possibilitados pelos meios de comunicação de massa, são utilizados pela classe dominante em suas estratégias de convencimento e como instrumento persuasivo da realidade social. A infra-estrutura do contexto social é alterada pela superestrutura da mídia que constroem mecanismos de controle que projetam a maneira de ver o mundo e de construir o universo discursivo do indivíduo diante de sua realidade social.