terça-feira, 4 de novembro de 2008

A Televisão e a representação da realidade na visão de Bourdieu

A televisão como meio produtor de informação e opinião pública, constitui uma fonte geradora de sistemas de representação da realidade, objetivando influenciar a sociedade e incentivar diferentes ações em benefício próprio. Desempenha um papel fundamental para a divulgação e o entendimento dos temas que farão parte da agenda social. A análise do texto, “Sobre a Televisão”, de Pierre Bourdieu, busca compreender os tipos de censura que a televisão está sujeita, sua prática de agendamento e de “esconder mostrando”.

Ao abordar "a censura invisível", que permeia a atividade jornalística, Bourdieu na verdade discute uma censura do ponto de vista externo, operada pela concorrência, pelas leis de mercado e pelos índices de audiência. Uma censura econômica, que é também política. Já no ponto de vista interno, aponta uma autocensura, que influencia o comportamento dos próprios jornalistas, que com origens sociais semelhantes, lêem uns aos outros, apresentam visões de mundo parecidas e buscam atender a expectativas de um (suposto) determinado público. O resultado disso é a produção de informações e abordagens homogêneas.

O fato de os jornalistas que, de resto, têm muitas propriedades comuns, de condição, mas também de formação e de origem, se lerem uns aos outros, se verem uns aos outros, se encontrarem constantemente uns com os outros em debate onde aparecem sempre os mesmos, tem efeito de encerramento e, não devemos hesitar em diz-lo, de censura tão eficazes – mais eficazes até porque o seu princípio é mais invisível – como os de uma burocracia central, uma intervenção política expressa. (BOURDIEU, 2001, p. 20)

Bourdieu atribui, de um lado, à abordagem de "assuntos-ônibus" - temas superficiais que tentam agradar a todos com o intuito de prender a atenção do espectador e aumentar os índices de audiência - e, de outro, ao acesso à "notoriedade pública", "um prêmio capital" para políticos e certos intelectuais. O autor alerta para a tendência da televisão em dominar econômica e simbolicamente o campo jornalístico, fazendo com que os jornais impressos tenham de lutar por sua sobrevivência. Desse modo, fornece uma "agenda" para outros veículos de comunicação, uma vez que um assunto só se torna importante quando abordado pela televisão. Vê-se ocorrer, então, uma "circulação circular da informação". Segundo o autor, as informações pertinentes que a sociedade devia ter acesso, são substituídas pelos casos do dia (sangue, sexo e drama), assim se emprega minutos tão preciosos em informações tão banais, que não divide a opinião pública, mais que são importantes, como afirma o autor, por que “escondem coisas preciosas”.

O factos omnibus são os que, como costuma dizer-se, não devem chocar ninguém, que não são disputados, que não dividem que fazem consenso, que interessam a toda gente, mas de uma maneira tal que não toca em nada que seja importante. [...] E se empregam minutos tão preciosos para dizer coisas tão fúteis, é porque essas coisas tão fúteis são de factos muito importantes na medida em que escondem coisas preciosas. (BOURDIEU, 2001, p.10)

O autor comenta que o acesso de convidados à televisão tem em contrapartida uma censura invisível, ligada ao fato de que o assunto e as condições de sua comunicação são impostos e de que a limitação do tempo impõe certas restrições ao discurso que o torna improvável de dizer algo. Aponta, também, as censuras econômicas, que denomina pressão econômica, determinadas pelos proprietários e anunciantes e que tornam a televisão um instrumento de manutenção da ordem simbólica. Mostra como a televisão exerce uma forma de violência simbólica, gastando tempo valioso para dizer coisas fúteis que são importantes na medida em que ocultam coisas preciosas, como informações que influencie a formação democrática dos cidadãos.

A televisão tem uma espécie de monopólio de facto sobre a formação dos cérebros de uma parte muito importante da população. Ora, pondo a tónica nos casos do dia, preenchendo o tempo tão raro com vazio, com nada ou quase-nada, afastam-se as informações pertinentes que o cidadão deveria possuir para exercer os seu direitos democráticos. (BOURDIEU, 2001, p.10 e 11).

Desse modo, a televisão pode ocultar mostrando (uma coisa diferente do que deveria mostrar, se fizesse o que deveria fazer, isto é, informar), ou mostrar ocultando (tornando algo insignificante pela maneira como mostra ou dando-lhe um outro sentido que não corresponde à realidade). Nesse ponto, o autor explica a "metáfora do óculos", segundo a qual os jornalistas vêem através de óculos especiais que enxergam determinadas coisas de determinadas maneiras, operando um seleção e uma construção da realidade selecionada, com base no princípio da busca do sensacional, do espetacular.

O princípio de selecção é à procura de sensacional, do espetacular. A televisão apela à dramatização, no duplo sentido da palavra: põe em cena, em imagens, um acontecimento e exagera a sua importância, a sua gravidade e o seu carácter dramático, trágico (BOURDIEU, 2001, p.12).

Finalizando, o autor destacada a circulação circular da informação, que consiste no fato de os jornalistas terem propriedades comuns de origem e de formação, de lerem-se uns aos outros e de encontrarem-se uns com os outros, o que causa efeitos de repetição como um jogo de espelhos, que se refletem mutuamente produzindo uma barreira de fechamento mental.

Para saber o que vão dizer, precisam saber o que disseram os outros. Tal é um dos mecanismos através dos quais se engendra a homogeneidade dos produtos propostos (BOURDIEU, 2001, p.18).

Podemos perceber que a televisão como um meio eficiente na formação da opinião pública, tem monopolizado os fatos e as informações que os cidadãos por direito deve ter acesso, exercendo, portanto, como diz o autor uma “censura invisível”, e servindo assim, como um meio e um instrumento de veiculação de ideologias, que trabalha na deformação do cidadão, não na sua formação. Bourdieu mostra que é possível para esse veículo de comunicação se tornar “um instrumento de democracia direta”, em vez de converter-se em um “instrumento de opressão simbólica”.

2 comentários:

ComunicAia disse...

Boa análise. linkei no meu blob. seu perfil melhrou , né?

Isaac Fernandes disse...

A sim, obrigado!!! Resolvi seguir seus conselhos!!!