sábado, 18 de outubro de 2008

A fragmentação das identidades e os rumos tomados pela comunicação após o 11 de setembro


Jesús Martín-Barbero nasceu em Ávila (Espanha, 1937) e vive na Colômbia desde 1963. Estudou filosofia em Lovaina (Bélgica, 1971) e Antropologia e Semiótica na École des Hautes Études (Paris, 1972-1973). Fundou e dirigiu o Departamento de Ciências da Comunicação na Universidade de Valle (Colômbia), sendo professor e investigador desse departamento (1983-1995). Na Universidade ITESO (Guadalajara, México), investiga os novos regimes da oralidade cultural e os aspectos visuais da electrónica. Trabalhado, fundamentalmente, os estudos de ciências sociais e a investigação em comunicação na América Latina.

Dentre os estudos realizados por esse pesquisador, o presente trabalho faz análise do texto, “Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século”, onde o autor discute os processos, os meios e as práticas da comunicação numa realidade tecnológica e globalizada que obedecem a uma ordem mercadológica capitalista.

O autor introduz o texto abordando os rumos tomados pela comunicação após o 11 de setembro em Nova York e o Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Na visão do autor, não há como analisar a comunicação sem entender o que aconteceu com o mundo após esse atentado terrorista e após as novas perspectivas aberta pelo fórum.

Afirma que esses dois episódios são fontes de extrema tensão no mundo globalizado, que convive hoje tanto com a desconfiança que leva ao aprofundamento das fronteiras quanto com a potencial subversão contra o sistema dominante patrocinada pelas novas tecnologias da comunicação. É neste ambiente que a comunicação, no começo do novo século, encontra-se encarcerada entre fortes mudanças e densas opacidades, que derivam da necessidade de uma razão comunicacional que dê conta da fragmentação que desloca e descentra, do fluxo que comprime e globaliza e da conexão que desmaterializa e hibridiza.

Entre as mudanças e opacidades citadas por Martín-Barbero, estão os efeitos que os processos de globalização econômica e informacional provocaram sobre as identidades culturais, a educação, o mundo do trabalho, o exercício da cidadania e a percepção do tempo.

Na visão do autor, a globalização acelera as operações de desenraizamento e tende inscrever as identidades nas lógicas dos fluxos. É claro que a comunicação na sociedade globalizada faz-se como eficaz motor da venda de bens simbólicos, sustentáculo para a legitimação do consumo de todo e qualquer tipo de mercadoria, sempre no sentido centro-periferia.

Ao comentar as mutações infligidas pela globalização sobre identidades culturais, o autor afirma que um novo tipo de mudança estrutural está fragmentado as paisagens de classes, gênero, etnia, raça e nacionalidade, que no passado nos tinha proporcionado sólidas localizações como indivíduos sociais. Transformações que estão mudando nossas identidades pessoais.

Até pouco tempo, identidade se confundia com raízes, ou seja, com costumes, territórios, tempo longo e memória simbolicamente densa. Hoje, a tecnicidade midiática acrescentou à formação das identidades culturais as migrações, as redes, os fluxos, a instantaneidade e a fluidez. As raízes ganharam movimento.

Comentando a relação da tecnicidade midiática com a educação, o autor afirma que os meios estão modificando a forma de organizar e distribuir saberes. A tecnicidade, diz ele, possibilita uma experiência de aprendizagem diferente. Um campo de exposição e troca cultural. Neste espaço virtual as diversidades entre culturas se aproximam, se mesclam, oportunizando novas habilidades, novos saberes, novas imagens de trabalho e uma nova forma, inclusive, de se pensar o professor. A quantidade de informação e conhecimento do mundo moderno exige que o professor redimensione seus currículos e estabeleça prioridades.

Segundo o autor, entramos em primeiro lugar, diante de um novo estatuto social do trabalhador. A passagem de um trabalho caracterizado pela execução mecânica de tarefas repetitivas a um trabalho com um componente maior de iniciativa por parte do empregado. A deslocar o exercício da predominância da mão para o cérebro, mediante novos modos do fazer que exigem um saber fazer, pressupõe uma demonstração de destrezas com um componente mental maior.

Na lógica da competitividade, o trabalho sofre uma forte retratação e até o desaparecimento do vínculo societário entre trabalhador e empresa. Ao mesmo tempo muda também a figura do profissional, convertida no lugar de expressão da nova complexidade de relações entre mudanças do saber na sociedade de conhecimento e as mudanças de trabalho numa sociedade de mercado.
Também o nível salarial tem cada vez menos a ver com os anos de trabalho na empresa. Os profissionais que levam muitos anos numa empresa são substituídos por jovens recém-formados que, além do mais, começam a trabalhar ganhado o dobro do salário dos antigos.

Para o autor, as identidades/cidadanias modernas, ao contrário daquelas que eram atribuídas a partir de uma estrutura preexistente com a nobreza ou a plebe, constroem no diálogo e no intercâmbio e principalmente na negociação do reconhecimento pelos outros. As novas figuras cidadãs remetem a políticas de reconhecimento, vivendo assim do reconhecimento dos outros.

Ao discutir a percepção do tempo, o autor afirma que de um lado, as mídias de massa se transformam em máquinas de produzir presente, ou seja, acham se dedicadas a fabricar esquecimento. O que vale como notícia é o que nos conecta com o presente que está acontecendo, o que, por sua vez, permite que o tempo em tela de qualquer acontecimento deva ser também instantâneo e equivalente, com o que o presente convertido em atitude dura cada vez menos, que é ao que o mercado se dedica em seu conjunto, ao planificar a acelerada absolescência dos objetos como condição de funcionamento do próprio sistema de produção; por outro lado, a febre de memória é também crescente: desde o crescimento e expansão dos museus nas duas últimas décadas à restauração dos velhos centros urbanos, ao sucesso da novela histórica e relatos biográficos, à moda retro em arquitetura e vestidos, ao entusiasmo pelas comemorações e ao auge dos antiquários.

Martín-Barbero alerta ainda que a parafernália midiática criou novos campos de mudança, que devem ser compreendidos para que se vislumbre como se processam e que efeitos provocam em pontos crítico da sociedade atual, como, por exemplo, a desterritorialização/relocalização das identidades, as hibridações da ciência e da arte, dos escritos literários, audiovisuais e digitais e a reorganização dos saberes desde os fluxos e redes, pelos quais se mobilizam não só a informação, mas também o trabalho e a criatividade.

O autor extrai do cenário atual da comunicação duas perversões e duas oportunidades. As perversões estão vinculadas à tendência de concentração no controle dos veículos e conteúdos que circulam pelas redes mundiais de comunicação e nas ameaças contra a liberdade de expressão e informação surgidas a partir do 11 de setembro. As duas oportunidades se baseiam nas possibilidades abertas pela digitalização, que pode fomentar o aparecimento de uma linguagem comum de dados, que desmonte a hegemonia racionalista do dualismo que até agora opunha a razão à imaginação, a ciência à arte e o livro aos meios audiovisuais. A segunda oportunidade diz respeito à configuração de um novo espaço público e de cidadania.

Aborda ainda os perigos e as promessas de um mundo midiático em que a comunicação ganhou o status de estrutura. . De um lado, a visão de que a tecnologia é o motor principal das mudanças que estamos presenciando e experimentando; de outro, um olhar sobre a comunicação e a produção de conhecimentos a partir das “re-produções” – grafia escolhida pelo autor – que realizam os receptores com base nos referentes informativos com os quais negociam sentidos.

Nenhum comentário: