quinta-feira, 6 de novembro de 2008

FRANCAMENTE, ÉTICA, O QUE VEM A SER ISSO?

Pedro Bial

Me ocorre a piada do português, o livro de lógica é o "tens aquário?". Tanto verbo jogado fora em nome da tal "ética"... Afinal de contas, como os sistemas de valores, códigos morais e a moda, a ética é perecível, descartável. De dez em dez anos, de cem em cem anos, de mil em mil quilômetros, encontramos conceitos diametralmente opostos do que é "ético", moralmente aceitável, certo ou errado. Numa esfera macropolítica, vem à lembrança o caso do desprezo chinês ao conceito de Direitos Humanos. Para a ancestral crueldade chinesa, "Direitos Humanos" são uma invenção, uma imposição do Ocidente. Os ocidentais podem replicar: "É para o seu bem...".

Mas, quanto mal já foi perpetrado sob a máscara desta frase que pais usam para domar filhos.

Numa esfera mais próxima, e fugindo um pouco do assunto, aproveito para contar uma historinha da notória favela de Vigário Geral, onde vivi durante uns poucos dias para fazer uma reportagem. Era noite de sexta-feira, ou sexta-cheira, como dizem os cocainômanos. A favela fervilhava de gente se drogando, gente armada, barra muito pesada.

Passa um grupo de adolescentes em diminutas minissaias, a caminho do baile funk, a concentração maior de "ligadões" armados até os maxilares. Pergunto se os pais das moças não se preocupam com a segurança delas em tal ambiente. "Não, de jeito nenhum", respondem surpresas. "A única coisa que nossos pais proíbem é que atravessemos a passarela. Fora da favela, sim, é muito perigoso. Aqui dentro, estamos seguras." E, de fato, onde os estrangeiros, isto é, o resto da população do Rio de Janeiro, não se atrevem a pisar, é território sagrado dos moradores, com a garantia onipotente do chefe do tráfico.

Já que falei mais uma vez de Vigário Geral, mais uma constatação que contraria os clichês sobre a relação das zonas nobres e pobres da cidade. Ao contrário do que se diz, o grande consumidor da cocaína barata de favelas como Vigário Geral não é o garotão classe média do Leblon. Quem consome a droga de Vigário é o operário na saída da fábrica, é o cobrador de ônibus, é o trabalhador que gasta dois, três, cinco reais pela rápida prise que tira a fome e anestesia a falta de perspectivas. Ou melhor, sem moralismos baratos, é uma forma acessível de diversão, que vicia.

De volta ao assunto inicial desta coluna, a tão gasta palavra "ética". É divertido observar jornalistas, esses profissionais do cinismo que tão freqüentemente se deixam levar pela hipocrisia, deitarem falação sobre decisões éticas e morais. Em primeiro lugar, este tipo de reflexão só acontece, quando acontece, a posteriori. Na hora de botar a notícia na primeira página, no ar, as hesitações são raras.

O furo justifica quase tudo. Em segundo lugar, quando está em campo, o repórter lança mão de todos os recursos de sedução e ilusionismo para conseguir sua história. Uma história de amor em que pelo menos um dos lados, o do entrevistado, quando não os dois, termina desiludido, tomado pelo penoso sentimento de quem foi traído.

Na busca da notícia que venda, o jornalista muitas vezes se divorcia da realidade, à procura daquilo que, supõe, o leitor quer. E se a realidade contraria este roteiro de ficção, dane-se a realidade. No jornalismo internacional, pude presenciar deprimido a manipulação e adulteração de traduções para que a entrevista correspondesse aos desígnios do repórter. "Shame!"

Para não ficar apenas falando de repórteres na terceira pessoa do plural, conto um pequeno episódio em que tive de me confrontar com uma decisão ética.

Era o terceiro ou quarto dia da revolução romena, Bucareste, 1989. A capital do recém-desmoronado império Ceaucescu tentava retornar a um mínimo de normalidade depois do caos revolucionário. Me distanciei do cinegrafista e seu assistente e, quando me reaproximei, flagrei os dois a induzir um grupo de jovens ao vandalismo.

Havia um carro abandonado da "Securitat", a terrível polícia secreta do terror romeno, e uma pilha de pedras próxima. Meus colegas simplesmente apontaram os pedregulhos para a garotada. É claro, os moços destruíram todo o carro com a munição disponível. Tive um ataque e passei um pito na equipe, falando da irresponsabilidade deles ao intervir num processo tenso e já suficientemente violento, em nome de uma boa imagem. A resposta deles: "Você não vai usar a imagem?". Usei.

Bom, e como esta conversa termina? Certamente, sem conclusão, mas com uma pista: em vez de plantar regras sobre ética e moral, bastaria aos jornalistas um compromisso com a honestidade. E como é o assunto do momento, venho por meio desta prestar a minha solidariedade e apoio a Arnaldo Jabor. Entre o falso progressismo e a coragem de botar a mão nas coisas e lidar com o mundo real, fico com o nosso cineasta-articulista. Dizer não, e repetir não não não, diante da complexidade de nossa tragédia é fácil e covarde.

Sim.

Pedro Bial

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