quinta-feira, 6 de novembro de 2008

DICA DE LEITURA

Em sua obra, "BRASIL E ESTADOS UNIDOS: O QUE FEZ A DIFERENÇA", da editora Civilização Brasileira, Ricardo Lessa analisa as correntes sociais, econômicas, políticas e estratégicas que geraram o perfil de cada país, determinando um caminho de diferenças, mas também de encontros. O autor apresenta as semelhanças entres essas duas nações, que segundo ele, estão ligadas a extensão territorial e a disponibilidade de matérias-primas. Comenta como os Estados Unidos se firmaram no século XX como a nação mais poderosa do sistema internacional, enquanto o Brasil mantém-se como um país emergente. Lessa explica as amplas vantagens levadas pelos norte-americanos em termos econômicos, militares e tecnológicos. Aborda a realidade que definiu o destino dessas duas nações; trabalha todas essas questões de forma dinâmica e esclarecedora, revelando ambições e conflitos econômico-sociais opostos e valores antagônicos. Sua obra ainda lança uma luz otimista sobre o futuro do Brasil - para Lessa, é possível estruturar um país mais promissor para o povo brasileiro, uma nação que acompanhe as transformações mundiais, inserida na economia global - o segredo é olhar para nossas próprias raízes, representadas nos valores éticos e morais.

FRANCAMENTE, ÉTICA, O QUE VEM A SER ISSO?

Pedro Bial

Me ocorre a piada do português, o livro de lógica é o "tens aquário?". Tanto verbo jogado fora em nome da tal "ética"... Afinal de contas, como os sistemas de valores, códigos morais e a moda, a ética é perecível, descartável. De dez em dez anos, de cem em cem anos, de mil em mil quilômetros, encontramos conceitos diametralmente opostos do que é "ético", moralmente aceitável, certo ou errado. Numa esfera macropolítica, vem à lembrança o caso do desprezo chinês ao conceito de Direitos Humanos. Para a ancestral crueldade chinesa, "Direitos Humanos" são uma invenção, uma imposição do Ocidente. Os ocidentais podem replicar: "É para o seu bem...".

Mas, quanto mal já foi perpetrado sob a máscara desta frase que pais usam para domar filhos.

Numa esfera mais próxima, e fugindo um pouco do assunto, aproveito para contar uma historinha da notória favela de Vigário Geral, onde vivi durante uns poucos dias para fazer uma reportagem. Era noite de sexta-feira, ou sexta-cheira, como dizem os cocainômanos. A favela fervilhava de gente se drogando, gente armada, barra muito pesada.

Passa um grupo de adolescentes em diminutas minissaias, a caminho do baile funk, a concentração maior de "ligadões" armados até os maxilares. Pergunto se os pais das moças não se preocupam com a segurança delas em tal ambiente. "Não, de jeito nenhum", respondem surpresas. "A única coisa que nossos pais proíbem é que atravessemos a passarela. Fora da favela, sim, é muito perigoso. Aqui dentro, estamos seguras." E, de fato, onde os estrangeiros, isto é, o resto da população do Rio de Janeiro, não se atrevem a pisar, é território sagrado dos moradores, com a garantia onipotente do chefe do tráfico.

Já que falei mais uma vez de Vigário Geral, mais uma constatação que contraria os clichês sobre a relação das zonas nobres e pobres da cidade. Ao contrário do que se diz, o grande consumidor da cocaína barata de favelas como Vigário Geral não é o garotão classe média do Leblon. Quem consome a droga de Vigário é o operário na saída da fábrica, é o cobrador de ônibus, é o trabalhador que gasta dois, três, cinco reais pela rápida prise que tira a fome e anestesia a falta de perspectivas. Ou melhor, sem moralismos baratos, é uma forma acessível de diversão, que vicia.

De volta ao assunto inicial desta coluna, a tão gasta palavra "ética". É divertido observar jornalistas, esses profissionais do cinismo que tão freqüentemente se deixam levar pela hipocrisia, deitarem falação sobre decisões éticas e morais. Em primeiro lugar, este tipo de reflexão só acontece, quando acontece, a posteriori. Na hora de botar a notícia na primeira página, no ar, as hesitações são raras.

O furo justifica quase tudo. Em segundo lugar, quando está em campo, o repórter lança mão de todos os recursos de sedução e ilusionismo para conseguir sua história. Uma história de amor em que pelo menos um dos lados, o do entrevistado, quando não os dois, termina desiludido, tomado pelo penoso sentimento de quem foi traído.

Na busca da notícia que venda, o jornalista muitas vezes se divorcia da realidade, à procura daquilo que, supõe, o leitor quer. E se a realidade contraria este roteiro de ficção, dane-se a realidade. No jornalismo internacional, pude presenciar deprimido a manipulação e adulteração de traduções para que a entrevista correspondesse aos desígnios do repórter. "Shame!"

Para não ficar apenas falando de repórteres na terceira pessoa do plural, conto um pequeno episódio em que tive de me confrontar com uma decisão ética.

Era o terceiro ou quarto dia da revolução romena, Bucareste, 1989. A capital do recém-desmoronado império Ceaucescu tentava retornar a um mínimo de normalidade depois do caos revolucionário. Me distanciei do cinegrafista e seu assistente e, quando me reaproximei, flagrei os dois a induzir um grupo de jovens ao vandalismo.

Havia um carro abandonado da "Securitat", a terrível polícia secreta do terror romeno, e uma pilha de pedras próxima. Meus colegas simplesmente apontaram os pedregulhos para a garotada. É claro, os moços destruíram todo o carro com a munição disponível. Tive um ataque e passei um pito na equipe, falando da irresponsabilidade deles ao intervir num processo tenso e já suficientemente violento, em nome de uma boa imagem. A resposta deles: "Você não vai usar a imagem?". Usei.

Bom, e como esta conversa termina? Certamente, sem conclusão, mas com uma pista: em vez de plantar regras sobre ética e moral, bastaria aos jornalistas um compromisso com a honestidade. E como é o assunto do momento, venho por meio desta prestar a minha solidariedade e apoio a Arnaldo Jabor. Entre o falso progressismo e a coragem de botar a mão nas coisas e lidar com o mundo real, fico com o nosso cineasta-articulista. Dizer não, e repetir não não não, diante da complexidade de nossa tragédia é fácil e covarde.

Sim.

Pedro Bial

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

HISTÓRIAS DE VIDAS INDIGNAS, LONGE DE TEREM UM FINAL FELIZ

Reportagem: Ero Siqueira, Isaac Fernandes e Lucimara Pereira

Vinícius Araújo da Silva, cidadão araguaiense de apenas 12 anos, acorda todos os dias às 6h da manhã. Às 7h toma um pouco de café e come um pedaço de pão e já sai para a lida. Passa amanhã inteira vendendo picolé e lá pelas 11h encerra o serviço, lava-se rapidamente, veste o uniforme escolar e almoça um pequeno prato de arroz e feijão. Às 17h30, Vinícius está de volta. O jantar é tão fraco quanto o almoço. Às vezes Vinícius não agüenta e dorme durante as aulas.

Assim é a história de Vinícius, um enredo tão semelhante ao de milhares de crianças brasileiras, que por interesses mais diversos perdem seus direitos e sua liberdade. Perdem a chance de serem crianças e viverem como tal. Curtem pouco a infância, que termina geralmente aos 7 anos, quando vão trabalhar. Tornam-se uma criança-adulta, com apenas deveres.

“Eu sempre vi os meninos da minha idade ganhar tênis, comprar balinha, bolachas, vídeo-game e eu nunca tive essas coisas. Minha mãe trabalha e mal consegue por a comida dentro de casa, já meu pai nem sei por onde anda”, diz Vinícius que começou a trabalhar aos 7 anos.
Hoje, com 5 anos no mercado de trabalho, não consegue comprar as coisas que deseja. Vendendo picolé diariamente, ganha em média meio salário mínimo por mês (em torno de R$ 200,00). O que ele recebe, entrega para a mãe comprar comida e assim sustentar a ele e os seis irmãos menores, ficando apenas com alguns trocados. Mesmo com tanta dificuldade e com o pouco que sobra, Vinícius afirma que prefere trabalhar, pois ajuda no sustento de casa, e pode no fim do dia se distrair nas casas de jogos.
Drama igual
Marquinhos de Oliveira, 8 anos, vive drama semelhante. Estuda de manhã. À tarde enfrenta o sol, vendendo pastel na rua. No final do dia, já cansado e com os pés doendo de andar, retorna para casa todo feliz com o dinheiro de mais um dia de serviço. Mas o que recebe mal dá para comprar um refrigerante. Dos R$ 3,00 que ganha por dia, apenas R$ 1,00 é dele. Quando questionado sobre o restante do dinheiro, diz: “Dou para a minha mãe comprar as coisas pra nós, pois lá em casa quase sempre falta comida”.

Foi em um bar que aconteceu nossa conversa com Marquinhos, num lugar um tanto inadequado para uma criança de apenas 8 anos. Ele sentou-se e prontamente começou o diálogo. Com o rosto ainda molhado de suor, ele seguiu contando a trajetória. “Eu estudo na escola aqui da vila mesmo, acordo às 6h, me arrumo e vou pra lá”. Sem café da manhã, ele luta com o próprio estômago, “dói muito”. Nosso entrevistado enxuga o rosto, mais uma vez, e volta a falar: “Mal posso esperar a hora da merenda”.

De tão rotineiros, fatos lamentáveis como esses já passam despercebidos das pessoas. As crianças trabalhadoras não têm tempo sequer para brincar ou praticar esportes. Realizando muitas vezes o trabalho de adultos, cumprem longas jornadas sem reclamar, e recebem menos de um salário mínimo.

Denunciar ou não?
Para garantir o direito constitucional das crianças a educação e alimentação com dignidade (artigo 27 da Constituição Brasileira), um passo seria a denúncia dos casos de trabalho infantil para o Conselho Tutelar - órgão responsável nos municípios por verificar o cumprimento da legislação infantil. "Se a denuncia for confirmada por nós, afastamos a criança do trabalho e passamos o caso para promotoria”, afirma Polleyka Fraga, conselheira responsável pelo órgão em Alto Araguaia.


Em casos mais graves de exploração, onde criança trabalha 8h por dia, com o consentimento dos familiares, sem direito a educação e lazer, Polleyka diz que os pais perdem total autoridade sobre a criança.

A denuncia, porém, nem sempre significa o fim do drama para as crianças. Filhos de famílias pobres, muitas vezes sem ter o que comer em casa, têm no trabalho a única forma de ganhar o seu sustento. Uma vez denunciado, corre o risco de perder o emprego, tornando sua sobrevivência ainda mais difícil.

Há famílias cujo pensamento é de que a criança também tem que contribuir no sustento da casa, sob o argumento de que assim estão afastando as crianças do ócio e da marginalidade. Em função disso, os pais colocam as crianças à mercê da exploração da mão-de-obra infantil, e em momento algum consideram o trabalho prejudicial ao menor. A desigualdade social só contribui para que a prática se perpetue.

Mais um Hussein na história americana

Por Isaac Fenandes
Num momento de crise econômica mundial e de instabilidade financeira, o mundo voltou sua atenção para um evento histórico que marcará o final da primeira década do século XXI. Nos Estados Unidos, 45 anos após o auge do movimento dos direitos civis, liderado pelo pastor Martin Luther King, um americano negro chamado Barack Hussein Obama, criado por seus avós longe da linhagem americana de poder e dinheiro, foi eleito o 44º presidente.

Obama representa a esperança de dias melhores, não só para os milhares de americanos que o elegeu, mas também para centenas de líderes políticos mundiais que apostam suas fichas no fortalecimento das relações dos Estados Unidos com seus países.

O Presidente eleito, que ironicamente tem o sobrenome Hussein, precisará do apoio de todos os americanos para conter o desastroso legado de Bush. Enfrentará enormes desafios, como a crise econômica, a guerra do Iraque e a reforma do sistema público de saúde. E acima de tudo, terá que provar para milhares de pessoas, que ainda não se deram conta, que a cor da pele é apenas um mero detalhe genético. Só esperamos que o seu final não seja tão trágico quanto ao do primeiro Hussein que protagonizou o enredo de uma triste história americana.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A Televisão e a representação da realidade na visão de Bourdieu

A televisão como meio produtor de informação e opinião pública, constitui uma fonte geradora de sistemas de representação da realidade, objetivando influenciar a sociedade e incentivar diferentes ações em benefício próprio. Desempenha um papel fundamental para a divulgação e o entendimento dos temas que farão parte da agenda social. A análise do texto, “Sobre a Televisão”, de Pierre Bourdieu, busca compreender os tipos de censura que a televisão está sujeita, sua prática de agendamento e de “esconder mostrando”.

Ao abordar "a censura invisível", que permeia a atividade jornalística, Bourdieu na verdade discute uma censura do ponto de vista externo, operada pela concorrência, pelas leis de mercado e pelos índices de audiência. Uma censura econômica, que é também política. Já no ponto de vista interno, aponta uma autocensura, que influencia o comportamento dos próprios jornalistas, que com origens sociais semelhantes, lêem uns aos outros, apresentam visões de mundo parecidas e buscam atender a expectativas de um (suposto) determinado público. O resultado disso é a produção de informações e abordagens homogêneas.

O fato de os jornalistas que, de resto, têm muitas propriedades comuns, de condição, mas também de formação e de origem, se lerem uns aos outros, se verem uns aos outros, se encontrarem constantemente uns com os outros em debate onde aparecem sempre os mesmos, tem efeito de encerramento e, não devemos hesitar em diz-lo, de censura tão eficazes – mais eficazes até porque o seu princípio é mais invisível – como os de uma burocracia central, uma intervenção política expressa. (BOURDIEU, 2001, p. 20)

Bourdieu atribui, de um lado, à abordagem de "assuntos-ônibus" - temas superficiais que tentam agradar a todos com o intuito de prender a atenção do espectador e aumentar os índices de audiência - e, de outro, ao acesso à "notoriedade pública", "um prêmio capital" para políticos e certos intelectuais. O autor alerta para a tendência da televisão em dominar econômica e simbolicamente o campo jornalístico, fazendo com que os jornais impressos tenham de lutar por sua sobrevivência. Desse modo, fornece uma "agenda" para outros veículos de comunicação, uma vez que um assunto só se torna importante quando abordado pela televisão. Vê-se ocorrer, então, uma "circulação circular da informação". Segundo o autor, as informações pertinentes que a sociedade devia ter acesso, são substituídas pelos casos do dia (sangue, sexo e drama), assim se emprega minutos tão preciosos em informações tão banais, que não divide a opinião pública, mais que são importantes, como afirma o autor, por que “escondem coisas preciosas”.

O factos omnibus são os que, como costuma dizer-se, não devem chocar ninguém, que não são disputados, que não dividem que fazem consenso, que interessam a toda gente, mas de uma maneira tal que não toca em nada que seja importante. [...] E se empregam minutos tão preciosos para dizer coisas tão fúteis, é porque essas coisas tão fúteis são de factos muito importantes na medida em que escondem coisas preciosas. (BOURDIEU, 2001, p.10)

O autor comenta que o acesso de convidados à televisão tem em contrapartida uma censura invisível, ligada ao fato de que o assunto e as condições de sua comunicação são impostos e de que a limitação do tempo impõe certas restrições ao discurso que o torna improvável de dizer algo. Aponta, também, as censuras econômicas, que denomina pressão econômica, determinadas pelos proprietários e anunciantes e que tornam a televisão um instrumento de manutenção da ordem simbólica. Mostra como a televisão exerce uma forma de violência simbólica, gastando tempo valioso para dizer coisas fúteis que são importantes na medida em que ocultam coisas preciosas, como informações que influencie a formação democrática dos cidadãos.

A televisão tem uma espécie de monopólio de facto sobre a formação dos cérebros de uma parte muito importante da população. Ora, pondo a tónica nos casos do dia, preenchendo o tempo tão raro com vazio, com nada ou quase-nada, afastam-se as informações pertinentes que o cidadão deveria possuir para exercer os seu direitos democráticos. (BOURDIEU, 2001, p.10 e 11).

Desse modo, a televisão pode ocultar mostrando (uma coisa diferente do que deveria mostrar, se fizesse o que deveria fazer, isto é, informar), ou mostrar ocultando (tornando algo insignificante pela maneira como mostra ou dando-lhe um outro sentido que não corresponde à realidade). Nesse ponto, o autor explica a "metáfora do óculos", segundo a qual os jornalistas vêem através de óculos especiais que enxergam determinadas coisas de determinadas maneiras, operando um seleção e uma construção da realidade selecionada, com base no princípio da busca do sensacional, do espetacular.

O princípio de selecção é à procura de sensacional, do espetacular. A televisão apela à dramatização, no duplo sentido da palavra: põe em cena, em imagens, um acontecimento e exagera a sua importância, a sua gravidade e o seu carácter dramático, trágico (BOURDIEU, 2001, p.12).

Finalizando, o autor destacada a circulação circular da informação, que consiste no fato de os jornalistas terem propriedades comuns de origem e de formação, de lerem-se uns aos outros e de encontrarem-se uns com os outros, o que causa efeitos de repetição como um jogo de espelhos, que se refletem mutuamente produzindo uma barreira de fechamento mental.

Para saber o que vão dizer, precisam saber o que disseram os outros. Tal é um dos mecanismos através dos quais se engendra a homogeneidade dos produtos propostos (BOURDIEU, 2001, p.18).

Podemos perceber que a televisão como um meio eficiente na formação da opinião pública, tem monopolizado os fatos e as informações que os cidadãos por direito deve ter acesso, exercendo, portanto, como diz o autor uma “censura invisível”, e servindo assim, como um meio e um instrumento de veiculação de ideologias, que trabalha na deformação do cidadão, não na sua formação. Bourdieu mostra que é possível para esse veículo de comunicação se tornar “um instrumento de democracia direta”, em vez de converter-se em um “instrumento de opressão simbólica”.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Domo de Araguainha: um marco na história da vida na Terra

Uma região quase isolada entre Goiás e Mato Grosso, afastada dos grandes centros e acessada apenas por estradas não-pavimentadas, guarda um dos raros fenômenos encontrados no mundo. Há aproximadamente 245 milhões de anos, uma gigantesca bola de fogo teria mergulhado na região onde estão localizadas as cidades de Araguainha e Ponte Branca abrindo uma cratera de 40 km de diâmetro. Um laboratório a céu aberto situado a 80 km de Alto Araguaia-MT, esconde segredos relacionados à evolução da vida na Terra.

Araguainha possui a maior cratera de impacto da América do Sul e está entre as cinco maiores do mundo, cobrindo uma área de um mil e trezentos quilômetros quadrados. Devido sua importância no estudo das extinções em massa da vida na Terra, foi reconhecido no ano de 2000 como “Sitio Geológico Nacional” pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP).

O geólogo Álvaro Crosta, doutor em Geologia pela Unicamp e responsável pelas pesquisas, comenta que o astroblema (problema causado pela queda de um astro) trata-se de uma cratera de 40 km de diâmetro, resultante da colisão de um corpo celeste contra a superfície da Terra, formada próxima ao limite Permiano-Triássico, período em que ocorreu o maior volume de desaparecimento em massa na vida do planeta. Noventa por cento das espécies existentes na época foram eliminadas. O geólogo afirma que toda vez que há um grande extermínio, ocorre um redirecionamento biológico na evolução das espécies. Segundo ele, depois das extinções nesse período, começou uma nova evolução biológica que deu origem aos dinossauros.

De acordo com o geólogo Rogério Roque Rubert, acreditava-se que o local era uma formação vulcânica. Mas, a partir da década de 70, verificou-se que as características encontradas no local apontavam para impactos. “Basta olhar as montanhas que formam um círculo em torno do núcleo da cratera. Elas possuem estrias e deformações bastante visíveis a olho nu. É uma formação única. A metros de distância, já se percebem as estrias e deformações”. Afirma ainda que evidências microscópicas foram encontradas em cristais de quartzos, modificações na estrutura que só existem em locais submetidos a altas pressões.

A hipótese da queda do meteorito foi baseada no reconhecimento de deformações induzidas pelo impacto em amostras coletadas no centro do Domo (estrutura com forma circular e elíptica), bem como na ocorrência de brechas de impacto ao redor de seu núcleo. Os estudos geológicos do Domo de Araguainha mostram que as ondas de choque provocadas pela queda do meteorito modificaram a estrutura interna de rochas típicas dessa região, como os cristais de quartzo e de granito.

Entre outras evidências está o formato circular da estrutura, a semelhança do material encontrado no local com os de outras crateras de impacto conhecidas, incluindo um núcleo central erguido, sucessão de colinas, escarpas e vales disposta de forma anelar e feições de metamorfismo de choque. Álvaro Crosta afirma que “ao passar pela rocha, a onda de choque orienta os grãos desses arenitos em forma cônica, com estrias sempre apontando para uma mesma direção, que é a direção do choque”. Esses resultados reforçaram a origem da estrutura por impacto de um corpo celeste.

As marcas deixadas pelo meteorito que devastou a região são percebidas nas pequenas colinas que brotam no meio do cerrado. “Seria o equivalente a milhões de bombas atômicas iguais à de Hiroshima. É uma escala de energia que o ser humano dificilmente consegue imaginar”, afirma Álvaro Crosta. São nesses escombros do passado que os pesquisadores buscam segredos sobre a origem da vida.

A descoberta do Domo de Araguainha representa um grande valor científico para o Brasil e para a América do Sul, pelo fato do evento ter acontecido próximo do limite Permiani-Triássico, sendo considerado, portanto, com um marco que permite calcular os intervalos de tempo entre esses eventos de grande extinção da vida na Terra. Apesar das evidências serem facilmente percebidas em materiais recolhidos no local, graças à boa preservação desse astroblema, os pesquisadores ainda não conseguiram comprovar a relação da queda do meteorito com o desaparecimento das espécies.

Segundo o geólogo Gercino Domingos da Silva, o sítio geológico atrai especialistas de várias partes do mundo. Cientistas e pesquisadores de vários países exploram o local há muito tempo, mas há pouco que os pesquisadores brasileiros deram conta da importância do evento para a história da vida na Terra. “Vemos o pessoal da Alemanha ou do eixo Rio-São Paulo super interessado no domo, mas não há o mesmo interesse dos geólogos daqui em visitar o local”.

Vandete Pereira de Souza, pedagoga e professora de história que mora na região do Domo a mais de 40 anos, comenta que “só agora as pessoas começaram ter informações sobre esse acontecimento tão importante que pode revolucionar a economia da cidade. As pedras eram retiradas do local para serem utilizadas no calçamento de ruas, os cientistas europeus retiravam materiais sem nenhuma dificuldade”. Comenta ainda que por falta de informação, o senhor Erpídio Ribeiro, que era proprietário da fazenda onde foi colocada a placa que demarca o centro da cratera, vendeu “a preço de banana” sua propriedade. “Grande parte do Domo estava dentro de sua propriedade, e ele por não conhecer o potencial do local para o turismo geológico vendeu por um preço irrisório”.

A população que habita a região do Domo pouco sabe sobre o evento que proporcionou ao local um potencial enorme para pesquisas científicas, muito menos sabe a razão pela qual esta importante estrutura deve ser preservada. Adelice Pereira, 68 anos, uma das fundadoras da cidade afirma que nos últimos anos muitas pessoas têm aparecido pra visitar a região. “Parece que vem até uns cientistas do estrangeiro. Eu não sei o porquê esse povo sai lá do fim do mundo e vem pra uma cidadezinha igual essa que não tem nada pra oferecer pra eles”.

De acordo com o geólogo Gercino da Silva, as pessoas retiram o que querem do local sem controle algum, por isso no início de 2007, as prefeituras de Araguainha, Ponte Branca, Alto Araguaia e o Ibama assinaram um documento propondo a criação de uma área de proteção ambiental no local onde aconteceu o evento, com o objetivo de obter recursos para preservar as estruturas da cratera. Nota-se, portanto, a necessidade de um projeto de conscientização da população sobre o valor do sítio que é reconhecido como patrimônio científico e cultural, bem como para a importância e as formas de preservação.

domingo, 2 de novembro de 2008

Nota 10

O III Simpósio de Jornalismo de Alto Araguaia- Unemat, com o tema, “A Regionalização Midiática”, reuniu conferencistas, alunos, professores e estudiosos interessados em discutir a mídia regional no cenário comunicacional contemporâneo.

Entre os principais palestrantes estiveram presente o Prof. Me. Ivanor Guarnieri (UNIOESTE-UNIPAR), Prof. Dr. Yuji Gushiken (UFMT) e o Prof. Me. Roberto Reis (UNIMAR).

A programação do Simpósio disponibilizou um ciclo de debates abordando assuntos de relevância para a pesquisa em comunicação e as práticas jornalísticas. Dentre os temas abordados, merece destaque a palestra do Prof. Me. Roberto Reis que discutiu as limitações e as potencialidades da Mídia Regional e Local, no cenário que se configura nesse novo panorama midiático.

Merece destaque ainda, o espaço aberto no evento para a apresentação das produções acadêmicas. O grande número de trabalhos apresentados e a qualidade das pesquisas surpreenderam os participantes.

Para fechar com chave ouro, o evento encerrou com o lançamento do livro, Ver e Entrever a Comunicação: Sociedade, mídia e cultura, organizado pelo Departamento de Comunicação Social da Unemat, que discuti os novos paradigmas da comunicação na sociedade contemporânea e aborda a necessidade de entender as novas mídias que reconfigurou a práxis jornalística nessa realidade de convergência tecnológica.

Eventos como esse, nesse cenário “de grandes mudanças e de forte opacidade, que fragmentam as identidades”, são de fundamental importância, pois possibilitam uma análise sistemática dos elementos e das configurações atuais no universo midiatico.