terça-feira, 28 de outubro de 2008

Jornalismo Regional e Livro-Reportagem: Preservação e Reconhecimento das Identidades Locais


(Trabalho apresentado no III Sinposio de Jornalismo - UNEMAT)
Orientadora: Profª. Me. Shirlene Rohr

Resumo
Os interesses comerciais que ocupam cada vez mais espaços nas empresas jornalísticas não permitem uma abordagem que ultrapasse as fronteiras do imediato, escamoteando uma visão mais aprimorada do contemporâneo, ao desprezar as peculiaridades do cotidiano e ao ignorar as questões locais. No universo amplo do jornalismo, o Livro-reportagem é apresentado neste trabalho como uma importante ferramenta do Jornalismo Regional, por ser isento da obrigação severa com a periodicidade, com os temas atuais e com o formato de produção da mídia habitual. Por oferecer ao autor, um vasto campo de liberdades funcionais; oferecendo, portanto, uma abordagem aprofundada da realidade social e do cotidiano de seus personagens. Privilegiando a produção e as lutas simbólicas da comunidade local, de forma a preservar e fortalecer suas identidades.

Palavras-chave:
Jornalismo regional; Livro-reportagem; identidades; mídia; sociedade.


segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A REALIDADE NUA E CRUA

(Reportagem vencedora do I Prêmio DEPCOM de Jornalismo na categoria Texto Informativo.)




Piranha, psicóloga da noite, cortesã, dadeira, garota de programa, santa do pau oco, camélia, mulher da vida, profissional do sexo, secretária do amor, fodedeira, mulher marginalizada, rampeira, galinha, dama da noite, quenga, puta, Maria Madalena, vadia, biscate, meretriz, vagabunda, Rosa Palmeirão, mulher da vida fácil.”
Segundo Marina Martins, em Vozes dos anônimos, assim são conhecidas na sociedade as protagonistas que compõe o enredo de uma história de exploração, de preconceitos e de exclusão social. Mulheres com uma estrutura familiar fragilizada, que são obrigadas a utilizar o corpo como uma ferramenta de trabalho e como forma de sobrevivência, porque é a forma mais acessível numa realidade de pobreza e falta de oportunidades.
Que pensamentos podem ocorrer a quem vai encontrar com uma prostituta em plena praça pública, pagando por um serviço que não é o comum? Ansiedade, apenas ansiedade. Ao telefone ela me pareceu um tanto descontraída e disposta a falar, espero que minhas ferramentas de trabalho (um gravador e uma caderneta de anotações) não a assustem. Olho pro relógio e percebo que apesar da minha ansiedade ainda faltam 5 minutos para o horário marcado. Tenho a impressão de que já estou esperando há mais de uma hora. Aproveito para dar uma última olhada nas minhas anotações.
As luzes amarelas que enfeitam os troncos das árvores dos canteiros centrais da Avenida Carlos Hugueney dão um toque de alegria à cidade. Na praça, a “fonte luminosa” jorrando águas coloridas encanta os fiéis que saem da missa. O padre oferece a mão ao beijo das carolas que insistem em permanecer na frente da igreja.
Sentado num banco de concreto vejo atravessar a faixa de pedestre uma mulher de miniblusa rosa e saia curta, o andar um pouco desconcertado, devido à altura das sandálias. O caminhoneiro pára para deixá-la passar, põe a cabeça pra fora da janela do caminhão e lhe diz algo. Ela esboça um sorriso, puxa a microssaia para baixo e continua caminhando na direção da praça. São 20h45.
- Pontualidade britânica! Procuro quebrar o gelo com essa frase. Apresento-me, ela me beija o rosto. Quase não controlo a vontade de olhar em volta, pra ver se as pessoas nos observam, mas me detenho.
A maquiagem exagerada, a roupa extravagante e a maneira de falar tão característica, me fizeram ter a certeza de que eu não iria entrevistar apenas uma mulher, entrevistaria a genuína representante de uma classe de mulheres que não são contempladas com ações governamentais, vítimas de preconceitos, um grupo excluído socialmente.
- Que que ocê qué sabê, bem? Pode perguntar que eu te conto tudo!
Francileide da Silva inicia nossa entrevista num tom de deboche. Apesar de tentar parecer descontraída e à vontade, não me olha nos olhos, mantém-se cabisbaixa, quando o olhar não divaga pela praça.
Não tem o padrão de beleza imposto pela sociedade e nem o corpo escultural das garotas de programa que vemos diariamente na mídia. A pele negra e o cabelo crespo só reforçam o preconceito. O sofrimento tirou da jovem prostituta de 24 anos o frescor da juventude. A aparência não condiz com a pouca idade.
- Já sofri como pôcas pessoas no mundo. Meus pais morreu quando eu tinha 12 anos num acidente de carro. Fui morar com minha vó, mãe do meu pai. Dois dias depois da morte deles eu fui estrupada pelo meu tio, e foi aí que eu caí na vida.
Francileide faz uma pausa, permanece em silêncio alguns instantes, recomeça a falar quase que sussurrando.
- Durante dois ano fui obrigada a dá pro meu tio. Minha vó mi jogava na cara que num era obrigada sustentá vagabunda. Um dia discubrí que estava barriguda, eu tinha 14 ano. Quando contei pra minha vó que tava grávida, e que o pai era meu tio, ela me expulsô de casa, sem dó nem piedade. Fui pra rua sem família, sem nada e ainda grávida.
Ouço, apenas, não a interrompo. Com o gravador ligado, abandono minhas anotações.
- Perambulei pelas rua de Cuiabá dois mêis, cumeno o pão que o Diabo amassô, dano pra qualquer um, em troca de cumida. Além de tudo a barriga ainda tava cresceno. Depois de dois mêis na rua, fui lá pra casa da Romilda, um putero que tem lá na vila, trabalhei trêis mêis sem ganhá um real, só pagano o aborto que quais me matô. Fiquei lá trêis ano, minha vó nunca me procurô. Até hoje eu sô assim, purquê ningueim nunca me deu uma força. A gente se sente muito mal, num tem ningueim pra te amá. Nem a própria família te ama.
- Mesmo depois de déis ano eu não consegui perduá meu tio e minha vó. Quase murrí, eu num ia criá filho de um vagabundo que dizia que era meu tio, então abortei e comecei dá, pra podê comê e tê onde morá.
Em um único fôlego ela segue respondendo todas as perguntas que eu havia preparado em meu bloco de anotações, sem que ao menos eu questionasse. Deixei-a à vontade pra narrar uma história tão conhecida em que a única variante é a carteira de identidade das personagens. Às vezes os olhos lacrimejam, às vezes um sorriso debochado, ela segue contando sua triste história.
- Já acustumei ser tratada como lixo, nunca tive direito a nada e nem razão. Já fui violentada, espancada, já sofri todo tipo de humilhação que ocê pode imaginar e ninguém se importa.
- Um dia depois de fazê um programa, o homem que era um caminhonero me chamou pra viajar com ele. Peguei minhas coisas escondido e entrei nu caminhão dele. Ficamos algumas semanas viajano e na volta pra Cuiabá eu resolvi ficá aqui, e tou até hoje. Aqui pelo menos num é tão perigoso como lá.
Francileide prossegue em sua narrativa e vou percebendo que por trás de um rosto bem maquiado, das unhas vermelhas, do decote, do corpo à mostra, da sensualidade, do erotismo em excesso e do comportamento vulgar, esconde-se uma mulher marginalizada, com seus direitos básicos ignorados e seus desejos esquecidos. Antes de tudo, um ser humano que sonha suprir suas necessidades de mulher comum, que possui medos, aspirações e sonhos e, para isso, precisa de uma atividade que lhe proporcione alguma renda, como qualquer pessoa. Sem escolaridade para um emprego “lucrativo”, a alternativa é fazer do corpo seu instrumento de trabalho.
- Eu queria que as pessoas olhasse mais pra gente, não discriminasse, não jogasse pedra na gente, entendeu? A gente é ser humano. Se eles não pudé ajudá, mais pelo menos não atirasse pedra, olhasse mais pra gente, entendeu? Tentasse pelo menos ajudá com uma palavra amiga. Eu acharia muito bão.
Num período em que a revolução alcançou o endereço tradicional da categoria, a praça pública e as esquinas estão cedendo espaços para outros ambientes, em geral fechados. As atividades estão deslocando-se cada vez mais das ruas para casas de massagem, espaços de shows eróticos e discretos pontos de encontros que pouco têm em comum com os bordéis de antigamente. “As profissionais do sexo” entraram na época da tecnologia. Usam e abusam de celulares e de variados aparatos tecnológicos. Utilizam pseudônimos, usam os classificados de jornais, revistas especializadas e até a internet para vender seus atributos.
Francileide faz parte de uma classe diferente de prostituta contemporânea, atende em um ponto de prostituição próximo à rodoviária, um ambiente noturno hostil, freqüentado por todo tipo de homem.
- Chego antes da meia-noite. Bebemos todos junto lá na casa, coloco uma roupa insinuante e parto para a conquista. Tenho que seduzir o máximo de homens numa noite, para consegui ganhá um dinheiro que dê pra me mantê. Às vezes fico com trêis ou quatro hôme numa noite, a maioria dos meus clientes são caminhonero que estão passano pela cidade.
E quanto é?
- Cobro de 15 a 20 reais por programa, isso depende da cara do cliente. A metade do lucro fica pra dona do cabaré. Nas noites que o movimento lá na casa ta fraco, eu desço lá pra saída do Taquari ou eu venho aqui pra praça cercar os caminhonero.
Olho pro relógio e vejo que meu tempo esgotara. Para não ter que arcar mais uma hora com ela, corro os olhos pelas minhas anotações e ligeiramente levanto um último questionamento sobre assunto que ela ainda não havia abordado, e Francileide prontamente retoma sua fala.
- Bem, um dos meus medo é de engravidá. Não é fácil ser filho de uma puta, vejo o sofrimento das minhas amigas que além de trabaiá toda noite, agüentá essa vida, ainda tem que preocupá com os filhos, por isso é que eu não fico um dia sem tomá anticoncepcional. Mais o meu maió medo mesmo é de pegá AIDS, porque a maioria dos homens que transam comigo não gostam de usar camisinha, e eu não posso me dá o luxo de recusar um cliente.
Pára um instante, fica pensativa, inspira profundamente e prossegue:
- Bem eu não tenho nada, não sou ninguém, mais o meu maió sonho é encontrá alguém que me tire dessa vida. Um homem que me ame de verdade. Quero deixá de ser puta, ter filhos, amar alguém, porque a muié quando não é amada ela fica amarga e eu não quero perder a parte boa que ainda existe em mim.
As horas passaram sem que ao menos eu percebesse a velocidade. Francileide se despede de mim após receber pela hora reservada à entrevista e se prontifica caso eu volte a precisar. Sentado ainda no banco de concreto vejo-a se distanciar da praça, fico imaginando como somos egoístas a ponto de discriminar alguém que busca desesperadamente um pouco de conforto, carinho e de atenção.

Isaac Fernades
Texto publicado no jornal laboratório "Provocação".

sábado, 18 de outubro de 2008

A fragmentação das identidades e os rumos tomados pela comunicação após o 11 de setembro


Jesús Martín-Barbero nasceu em Ávila (Espanha, 1937) e vive na Colômbia desde 1963. Estudou filosofia em Lovaina (Bélgica, 1971) e Antropologia e Semiótica na École des Hautes Études (Paris, 1972-1973). Fundou e dirigiu o Departamento de Ciências da Comunicação na Universidade de Valle (Colômbia), sendo professor e investigador desse departamento (1983-1995). Na Universidade ITESO (Guadalajara, México), investiga os novos regimes da oralidade cultural e os aspectos visuais da electrónica. Trabalhado, fundamentalmente, os estudos de ciências sociais e a investigação em comunicação na América Latina.

Dentre os estudos realizados por esse pesquisador, o presente trabalho faz análise do texto, “Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século”, onde o autor discute os processos, os meios e as práticas da comunicação numa realidade tecnológica e globalizada que obedecem a uma ordem mercadológica capitalista.

O autor introduz o texto abordando os rumos tomados pela comunicação após o 11 de setembro em Nova York e o Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Na visão do autor, não há como analisar a comunicação sem entender o que aconteceu com o mundo após esse atentado terrorista e após as novas perspectivas aberta pelo fórum.

Afirma que esses dois episódios são fontes de extrema tensão no mundo globalizado, que convive hoje tanto com a desconfiança que leva ao aprofundamento das fronteiras quanto com a potencial subversão contra o sistema dominante patrocinada pelas novas tecnologias da comunicação. É neste ambiente que a comunicação, no começo do novo século, encontra-se encarcerada entre fortes mudanças e densas opacidades, que derivam da necessidade de uma razão comunicacional que dê conta da fragmentação que desloca e descentra, do fluxo que comprime e globaliza e da conexão que desmaterializa e hibridiza.

Entre as mudanças e opacidades citadas por Martín-Barbero, estão os efeitos que os processos de globalização econômica e informacional provocaram sobre as identidades culturais, a educação, o mundo do trabalho, o exercício da cidadania e a percepção do tempo.

Na visão do autor, a globalização acelera as operações de desenraizamento e tende inscrever as identidades nas lógicas dos fluxos. É claro que a comunicação na sociedade globalizada faz-se como eficaz motor da venda de bens simbólicos, sustentáculo para a legitimação do consumo de todo e qualquer tipo de mercadoria, sempre no sentido centro-periferia.

Ao comentar as mutações infligidas pela globalização sobre identidades culturais, o autor afirma que um novo tipo de mudança estrutural está fragmentado as paisagens de classes, gênero, etnia, raça e nacionalidade, que no passado nos tinha proporcionado sólidas localizações como indivíduos sociais. Transformações que estão mudando nossas identidades pessoais.

Até pouco tempo, identidade se confundia com raízes, ou seja, com costumes, territórios, tempo longo e memória simbolicamente densa. Hoje, a tecnicidade midiática acrescentou à formação das identidades culturais as migrações, as redes, os fluxos, a instantaneidade e a fluidez. As raízes ganharam movimento.

Comentando a relação da tecnicidade midiática com a educação, o autor afirma que os meios estão modificando a forma de organizar e distribuir saberes. A tecnicidade, diz ele, possibilita uma experiência de aprendizagem diferente. Um campo de exposição e troca cultural. Neste espaço virtual as diversidades entre culturas se aproximam, se mesclam, oportunizando novas habilidades, novos saberes, novas imagens de trabalho e uma nova forma, inclusive, de se pensar o professor. A quantidade de informação e conhecimento do mundo moderno exige que o professor redimensione seus currículos e estabeleça prioridades.

Segundo o autor, entramos em primeiro lugar, diante de um novo estatuto social do trabalhador. A passagem de um trabalho caracterizado pela execução mecânica de tarefas repetitivas a um trabalho com um componente maior de iniciativa por parte do empregado. A deslocar o exercício da predominância da mão para o cérebro, mediante novos modos do fazer que exigem um saber fazer, pressupõe uma demonstração de destrezas com um componente mental maior.

Na lógica da competitividade, o trabalho sofre uma forte retratação e até o desaparecimento do vínculo societário entre trabalhador e empresa. Ao mesmo tempo muda também a figura do profissional, convertida no lugar de expressão da nova complexidade de relações entre mudanças do saber na sociedade de conhecimento e as mudanças de trabalho numa sociedade de mercado.
Também o nível salarial tem cada vez menos a ver com os anos de trabalho na empresa. Os profissionais que levam muitos anos numa empresa são substituídos por jovens recém-formados que, além do mais, começam a trabalhar ganhado o dobro do salário dos antigos.

Para o autor, as identidades/cidadanias modernas, ao contrário daquelas que eram atribuídas a partir de uma estrutura preexistente com a nobreza ou a plebe, constroem no diálogo e no intercâmbio e principalmente na negociação do reconhecimento pelos outros. As novas figuras cidadãs remetem a políticas de reconhecimento, vivendo assim do reconhecimento dos outros.

Ao discutir a percepção do tempo, o autor afirma que de um lado, as mídias de massa se transformam em máquinas de produzir presente, ou seja, acham se dedicadas a fabricar esquecimento. O que vale como notícia é o que nos conecta com o presente que está acontecendo, o que, por sua vez, permite que o tempo em tela de qualquer acontecimento deva ser também instantâneo e equivalente, com o que o presente convertido em atitude dura cada vez menos, que é ao que o mercado se dedica em seu conjunto, ao planificar a acelerada absolescência dos objetos como condição de funcionamento do próprio sistema de produção; por outro lado, a febre de memória é também crescente: desde o crescimento e expansão dos museus nas duas últimas décadas à restauração dos velhos centros urbanos, ao sucesso da novela histórica e relatos biográficos, à moda retro em arquitetura e vestidos, ao entusiasmo pelas comemorações e ao auge dos antiquários.

Martín-Barbero alerta ainda que a parafernália midiática criou novos campos de mudança, que devem ser compreendidos para que se vislumbre como se processam e que efeitos provocam em pontos crítico da sociedade atual, como, por exemplo, a desterritorialização/relocalização das identidades, as hibridações da ciência e da arte, dos escritos literários, audiovisuais e digitais e a reorganização dos saberes desde os fluxos e redes, pelos quais se mobilizam não só a informação, mas também o trabalho e a criatividade.

O autor extrai do cenário atual da comunicação duas perversões e duas oportunidades. As perversões estão vinculadas à tendência de concentração no controle dos veículos e conteúdos que circulam pelas redes mundiais de comunicação e nas ameaças contra a liberdade de expressão e informação surgidas a partir do 11 de setembro. As duas oportunidades se baseiam nas possibilidades abertas pela digitalização, que pode fomentar o aparecimento de uma linguagem comum de dados, que desmonte a hegemonia racionalista do dualismo que até agora opunha a razão à imaginação, a ciência à arte e o livro aos meios audiovisuais. A segunda oportunidade diz respeito à configuração de um novo espaço público e de cidadania.

Aborda ainda os perigos e as promessas de um mundo midiático em que a comunicação ganhou o status de estrutura. . De um lado, a visão de que a tecnologia é o motor principal das mudanças que estamos presenciando e experimentando; de outro, um olhar sobre a comunicação e a produção de conhecimentos a partir das “re-produções” – grafia escolhida pelo autor – que realizam os receptores com base nos referentes informativos com os quais negociam sentidos.

Análise do filme “Obrigado por fumar”



O filme “Obrigado por fumar”, de Jason Reitman, relata a saga do lobby Nick Naylor (Aaron Eckhart), que ganha a vida defendendo as indústrias do cigarro. Na busca por melhorar a imagem da indústria do tabaco, o lobista manipula informações, de forma a diminuir os riscos do produto e influenciar políticas de governo em favor dessas empresas.

O poder argumentativo de Nick atraia a atenção não só dos principais chefes da indústria do tabaco, mas também de Heather Holloway, a repórter de um jornal de Washington que deseja investigá-lo e que usa de meios “escusos” para conseguir seus objetivos. Momento único no filme em que seu profissionalismo pode ser questionado.

A trama aborda ainda a relação conflituosa entre Nick e um senador, que deseja colocar rótulos de veneno nos maços de cigarros e com essa atitude desesperada, tenta prejudicar os negócios bilionários das indústrias de tabaco. Nick conta com a ajuda de um poderoso agente de Hollywood, para fazer com que o cigarro seja promovido nos filmes.

Em todos os conflitos apresentados pelo filme, o personagem utilizando o seu poder de argumentação e persuasão, passa de vilão para herói. Faz a audiência torcer por ele, pelo carisma e habilidade de conversar e convencer. Nick justifica suas ações com a necessidade de pagar sua hipoteca.

O filme propicia uma reflexão e um interessante debate sobre a conduta do profissional de assessoria e sua relação com a organização para qual desenvolve alguma atividade. Assim, a partir do tema abordado pelo filme em questão e fundamentado no texto “Afinal, o que o mercado profissional quer de você?” de Maristela Mafei, a presente análise busca traçar o perfil do profissional da assessoria, a partir de ações desenvolvidas por Nick.

Ao abordar o perfil do assessor de imprensa, Maristela Mafei comenta que o “assessor deve ter a con­fiança de todos os gestores, e tomar decisões sobre os melhores passos a serem seguidos em nome da boa imagem da empresa”. Nick não importa com os danos que suas ações podem causar a sociedade, atua em prol da organização sem se preocupar com ética e valores. Para o personagem acima de qualquer valor ético e moral estão os interesses profissionais. Essa afirmação fica clara quando Nick leva um presente para o homem Marlboro. O presente, uma mala cheia de dinheiro, na verdade, um suborno para que o homem propaganda pare com as denúncias contra as empresas de tabaco.

Maristela afirma que “o assessor não deve ser passivo, mas antecipar cenários que possibilitem a elaboração de um planejamento estratégico de comunicação capaz de gerar uma imagem positiva do assessorado”. O personagem na busca por elevar a imagem da organização que representa, faz com que o cigarro seja promovido nos filmes de estrelas em Hollywood, que aparecem fumando no espaço sideral, em uma ficção científica futurista.

A cenas que merece destaque, é a cena do debate na TV em que Nick encara um senador progressista, um ferrenho anti-tabagista, envolvido numa campanha feroz para que seja colocado o desenho de uma caveira em cada maço de cigarros. Usando o seu poder de argumentação, Nick passa de bandido a mocinho transfere toda imagem negativa para o senador que é defensor de queijo cheddar. Maristela comenta que é necessário que se trabalhe uma “política estratégica de comunicação, liderada por profissionais capazes de pla­nejar cada item e cada passo da exposição do assessorado”. Segundo a autora é essa política que influenciará positivamente a imagem da empresa.

Maristela comenta que o assessor tem o controle sobre a mensagem final que chega ao público-alvo, e é nesse ponto importante que o personagem falhou. Ao se envolver com a jornalista e deixar vazar informações importantes, Nick quase colocou a perder todo esforço utilizado por ele na busca por melhorar a imagem da indústria do tabaco.

Graças a sua capacidade estratégica e seu poder de argumentação, Nick conseguiu reverter a situação e recuperar sua imagem como lobista e a imagem da indústria de tabaco.
Por fim, podemos perceber que ao abordar os dilemas éticos da atividade do lobista, o filme permite-nos traçar o perfil do profissional nele representado. Percebemos que acima da conduta ética e moral, está fidelidade do profissional à empresa e a preocupação com sua imagem quanto profissional. Para Nick as questões profissionais estavam acima de tudo.

O discurso ideológico da democracia racial no Brasil


Em sua obra Marxismo e filosofia da linguagem, Mikhail Bakhtin discuti a natureza ideológica do signo lingüístico e o dinamismo próprio de suas significações. Aborda conceitos importantes para o estudo da linguagem e para a análise do discurso, evidenciando as ideologias que permeiam o discurso e as interações existentes entre a infra-estrutura e a superestrutura. O autor mostra que a ideologia é determinada pelos contextos de onde surgiu determinada manifestação discursiva, do suporte através do qual é transmitida e da realidade social na qual está inserido seu interlocutor. Baseado nesses conceitos o presente texto busca identificar elementos ideológicos na construção discursiva da mídia com relação ao mito da democracia racial no Brasil.

Bakhtin retrata as mudanças lentas e contínuas que as ideologias sofrem ao passar pela palavra e pelos discursos construídos na realidade social até atingir a superestrutura. Para o autor, a infra-estrutura constitui a base das instituições sociais. A realidade, as informações, os fatos e os desdobramentos são essenciais para a constituição social de uma determinada comunidade. Enquanto a superestrutura refere-se a elementos como, camadas ideológicas, mentalidades de uma época, e economia, gerados pela infra-estrutura e pelos reflexos que suas mudanças acarretam.

O autor afirma que todo discurso é carregado de ideologia, e, portanto, possui uma carga de interferência social, pois ao ser manifestado pelo sujeito sofre também influências ideológicas do próprio autor, do interlocutor e, principalmente do contexto discursivo em que se enquadra, pois, a partir do momento que um indivíduo está inserido em uma sociedade, ele sofre influência dela e das experiências pelas quais já passou. Para o autor essa interação social é responsável pela consciência do indivíduo, que é uma consciência coletiva e não individual.

Ao discutir as propriedades da palavra o autor afirma que ela é “um material ideológico, por excelência”. Se as palavras nascem neutras, mais ou menos como estão no dicionário, ao se contextualizarem passam a expandir valores, conceitos e pré-conceitos. O autor mostra que toda palavra está permeada de um conteúdo ideológico, pois “refletem, de um modo mais ou menos evidente, os interesses, as interpretações de determinados grupos, capazes num dado momento histórico, de fazer valer a sua concepção de mundo”. Afirma que a palavra orienta-se para um destinatário e esse destinatário existe numa relação social clara. As interações são entendidas como espaços de imposição de uma classe dominante que constroem mecanismos de controle visando garantir seus interesses pessoais, políticos e econômicos.

Os discursos são fundamentados em ideologias que utilizam de signos e da semiótica na obtenção de sentido e são transmitidos de forma a ocultá-los, buscando a facilitação da absorção pelo sujeito, pois para o autor tudo que é ideológico possui significado e remete a algo situado fora de si mesmo.

A analise do discurso apresentada por este texto é feita baseada nos conceitos discutidos por Bakhtin, buscando perceber no texto em anexo as ideologias presentes que buscam na interação social influenciar a consciência do indivíduo. O texto escrito por Rodrigo Constantino circula livremente por diversos sites, é uma resenha do livro “Não somos racistas – Uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor”, do diretor de jornalismo da Rede Globo Ali Kamel, que afirma não haver opressão racial no Brasil porque somos “orgulhosos de nossa miscigenação, do nosso gradiente tão variado de cores”.

Não Somos Racistas
Rodrigo Constantino

O racismo, até então inexistente como uma característica predominante da nação brasileira, que sempre teve orgulho de sua miscigenação, pode estar florescendo por aqui. A mentalidade maniqueísta que divide o povo entre brancos e pretos está por trás desse lamentável fato. Eis a tese defendida com sólidos argumentos pelo jornalista Ali Kamel em seu recente livro Não Somos Racistas, uma leitura fundamental para quem pretende compreender melhor os rumos que o país está tomando na questão racial. Ali Kamel deposita uma boa parcela de culpa no governo FHC, que teria avançado nessa remodelagem de uma nação bicolor, onde brancos oprimiriam negros. Tal mentalidade estaria totalmente de acordo com o defendido pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso nos anos 1950. No governo FHC foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, o que já denota este racismo que divide tudo em brancos e negros. Eram os primeiros passos do que viria a se transformar no regime de cotas durante a gestão de Lula, que tem até um Ministério da Igualdade Racial. As sementes que poderão germinar no até então inexistente ódio racial brasileiro foram plantadas por FHC, e bastante regadas por Lula. O país já possui leis que previnem contra o preconceito racial, e a própria Constituição prega a isonomia das leis. Ali Kamel diz: “Num país em que no pós-Abolição jamais existiram barreiras institucionais contra a ascensão social do negro, num país em que os acessos a empregos públicos e a vagas em instituições de ensino público são assegurados apenas pelo mérito, num país em que 19 milhões de brancos são pobres e enfrentam as mesmas agruras dos negros pobres, instituir políticas de preferência racial, em vez de garantir educação de qualidade para todos os pobres e dar a eles a oportunidade para que superem a pobreza de acordo com os seus méritos, é se arriscar a pôr o Brasil na rota de um pesadelo: a eclosão entre nós do ódio racial, coisa que, até aqui, não conhecíamos”.

Em seguida, Ali Kamel dá continuidade à sua argumentação, lembrando que o conceito de raça sequer existe geneticamente: “Definitivamente, não existem genes exclusivos de uma determinada cor”. O próprio conceito de raça em si deve ser superado, e indivíduos devem ser julgados por outros critérios que não a cor da pele, algo totalmente irrelevante em relação ao caráter e capacidade intelectual. Não existem raças superiores ou inferiores, e abraçar tal crença é mergulhar na irracionalidade.

Dando prosseguimento aos argumentos, Ali Kamel mostra como as estatísticas têm sido mal interpretadas ou até mesmo manipuladas. O grosso da população brasileira se considera pardo, um termo vago que abrange várias tonalidades de cor. As estatísticas apresentadas para “provar” um suposto racismo como causa da miséria dos negros têm utilizado todos os pardos como negros, enquanto estes representam uma pequena minoria do total. Fora isso, há uma enorme confusão entre correlação e causalidade, onde passam a considerar como causa da pobreza a cor da pele, sendo que observando mais a fundo os números, fica claro que a pobreza não faz distinção de cor. O Pelé não é vítima de preconceito racial, assim como vários outros negros ricos. Já brancos pobres costumam ser vítimas de preconceitos. Ali Kamel diz existir um “classismo” no Brasil, onde a pobreza em si gera preconceito, mas não a cor da pele. Casos isolados sempre vão existir em qualquer lugar, mas claramente o racismo não é uma marca da nossa nação, tampouco o motivo da existência de tantos pardos e negros na pobreza. Se assim fosse, os brancos seriam oprimidos pelos amarelos, já que estes ganham o dobro do salário daqueles, na média. O racismo, na verdade, não explica a discrepância de renda. Um negro, um pardo e um branco com a mesma qualificação costumam receber o mesmo nível de salário.

Um outro livro fundamental para quem pretende conhecer mais a fundo a questão das cotas raciais é Ação Afirmativa ao Redor do Mundo, de Thomas Sowell. O próprio Ali Kamel usa em seu livro os estudos empíricos do professor negro e PhD. pela Universidade de Chicago. O trabalho de Thomas Sowell é esclarecedor sobre as conseqüências nefastas do regime de cotas. O que era para ser temporário passa a ser permanente e costuma abrigar novas minorias, pois políticos não acabam com privilégios estabelecidos. Onde não havia ódio racial este passa a existir, inclusive com casos de guerra civil, como em Sri Lanka. Apenas os mais afortunados entre a minoria privilegiada se beneficiam das cotas. Em resumo, a ação afirmativa falha em todos os sentidos. Ali Kamel conclui: “Errar, ignorando toda a experiência internacional sobre o assunto, é caminhar conscientemente para o desastre. No futuro, se se repetir aqui o que aconteceu lá fora, não haverá desculpas”.

PS: Para quem acha que o alarde é exagerado e o racismo, mesmo com todo o barulho na defesa de privilégios, ainda está longe de ser nossa realidade, pode fazer um simples exercício: imaginar qual seria a reação dos defensores de cotas e de todas as vítimas do “politicamente correto” caso um grupo de música fosse lançado com o nome “Raça Branca”.


Nossas considerações
Percebe-se que o pensamento ideológico sobre a questão de raça no Brasil está diretamente ligado ao mito, pois cremos que vivemos harmonicamente brancos e negros, já que não há guerra entre raças, e os negros andam livremente pelas ruas. Mas esquecemos que os negros não ocupam os mesmos postos de trabalhos, que a maioria da população carcerária é negra porque lhes faltam oportunidades, que existe uma desigualdade acentuada nas mais diferentes esferas – educacionais, econômicas, e tudo isso é mascarado pelo mito da democracia racial. Quantos jornalistas negros trabalham na empresa de comunicação onde o autor do livro é o diretor de jornalismo?

Gilberto Freyre, importante intelectual da primeira metade do século XX é um dos responsáveis pela implantação desse mito. Em sua obra mais conhecida, lançada em 1933, Casa grande & senzala, o autor comenta como negros e brancos conseguiram na estrutura da fazenda açucareira, viver em “relativa harmonia”. O autor afirma que havia uma “convivência pacífica” entre negros e brancos, citada por ele como vantagem na civilização brasileira.

Ao longo dos anos esse discurso carregado de ideologias foi se estruturando em nossa sociedade, e enquanto isso o negro continuou sendo explorado economicamente pela classe dominante branca. O jornalista Ali Kamel afirma que querem nos transformar em um país bicolor, mas já somos um país bicolor desde quando os negros foram arrancados de seus países de origem, jogados em porões de navios acorrentados e trazidos paro o Brasil, para aqui serem explorados e entregues como objetos aos brancos. Afirma ainda que na pós-Abolição jamais existiram barreiras institucionais contra a ascensão social do negro, mas ignora que após a abolição os negros foram jogados ao acaso pelas periferias das cidades sem emprego, sem moradia, sem educação, sem a mínima condição de sobrevivência.

Com o advento da informação, os meios de comunicação de massa adotaram esse discurso como instrumento ideológico visando o controle social pela legitimação da estrutura vigente de desigualdades raciais, impedindo que a situação se transforme em questão pública e, consequentemente, sujeita a intervenções, garantindo assim o acesso aos mecanismos de controle pela classe dominante. É importante não esquecer que estamos analisando a obra de um diretor de jornalismo de um dos maiores meios de comunicação de massa do mundo (Rede Globo de Televisão), e o acesso a esse conteúdo ideológico elaborado por ele, tem grande circulação pela internet. O jornalista afirma que o racismo não é o motivo da existência de tantos pardos e negros pobres no Brasil, mas qual a explicação para esse fenômeno se ele mesmo afirma que as oportunidades são as mesmas para brancos e negros, e que a cor da pele é algo totalmente irrelevante em relação ao caráter e capacidade intelectual?

Assim baseado nas teorias de Bakhtin, percebemos que os discursos ideológicos exercem grande influência sobre a constituição social de uma determinada comunidade. E na sociedade moderna em que vivemos o excesso e a velocidade de transmissão e de recepção de informações possibilitados pelos meios de comunicação de massa, são utilizados pela classe dominante em suas estratégias de convencimento e como instrumento persuasivo da realidade social. A infra-estrutura do contexto social é alterada pela superestrutura da mídia que constroem mecanismos de controle que projetam a maneira de ver o mundo e de construir o universo discursivo do indivíduo diante de sua realidade social.